segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Jardim das papoulas


Se um dia encontrar um jardim igual ao que existiu, será o jardim que os meus desejos e sonhos ajudaram a reconstruir. Um jardim repleto de vida, carregado de sensações indescritíveis. Jardim que foi regado e adubado com gotas de vida e sementes de amor. Não há como compará-lo. Era único, singular. Nele havia muitas possibilidades de encontros, trocas, afagos e olhares. Os risos vinham de longe acompanhados de um semblante eternizado. Doce lembrança. Papoulas coloridas o enfeitavam, o deixavam com um misto de ternura e arte. Era pequeno. Muito pequeno em tamanho, mas extenso, imenso em riqueza espiritual. Nele havia espaços para outros brilhos, outras cores, outros cheiros. Remexer na terra do meu jardim era como remexer na terra do coração tão repleto de vitalidade; tão repleto de alegria. Nesse jardim, tudo que era cultivado florescia. Florescia o cuidado, a gratidão, a cumplicidade, o respeito, os diálogos e as demoradas contemplações. Ficava muito perto da morada habitada intensamente. Muito próximo da janela de onde se podia olhar para ele sem se cansar. Um jardim carregado de sentidos e significados. Os sentidos daqueles que o fitavam e os significados de seu jardineiro. As papoulas floresciam de forma majestosa. Era como se tocassem o mais profundo do ser. No amanhecer e no entardecer, ele recebia o cuidado compromissado de seu artesão. Esse jardim estabelecia elos que nem o tempo, nem a distância, nem a morte puderam separar. Vive repleto de cores nas reminiscências. Não se apagou e nem foi esquecido. Era um lugar da pertença e da presença. Um espaço de comunhão com outros seres; um lugar onde se encontrava a força do existir pertencendo; do pertencer compartilhado. Havia muitos tempos nesse jardim - da coleta de sementes ao alvorecer de uma nova planta e, com ela, o fluir de novas florescências. Tempos que marcaram vida; tempos que ficaram registrados nos esconderijos da memória. Após as chuvas, havia grande alegria entre os muitos pés de papoulas; com os ventos elas bailavam; com o sol, brilhavam. Esse jardim alimentava um universo. Retribuía coragem e energia ao jardineiro. Um jardim repleto de magia. Seu lugar de existência estava demarcado pela copa de um abacateiro – lugar de outras vivências. As experiências vivenciadas no jardim das papoulas foram transformadoras. Elas criavam e recriavam os dias e as noites. Experiências expressas em momentos de transcendência, de superação e coragem. Não havia tempo melhor do que “o hoje” vivenciado em cada novo amanhecer naquele pequeno território existencial. Hoje, em meu tempo presente do existir, foi preciso voltar ao jardim das papoulas para reencontrar a estética da vida. Foi preciso revisitá-lo para não me perder no caminho; foi bom senti-lo, mesmo que em pequenos fleches; em rápidos lampejos. Voltar ao jardim que me ajudou a ser, a fazer-me possibilidade é o mesmo que não desistir de continuar vivendo. É o mesmo que desejar romper muitas vezes com as grades que encerram os desejos, as buscas, as escolhas. Esse voltar rememorado é necessidade de continuidade. É exigência do próprio viver que não desiste de si mesmo. A vida sabe o que não sabe o vivente. O viver encontra sua direção quando o que vive não sabe para onde ir. Não saber para onde ir é desafio que se abre a quem existe na plenitude de cada novo amanhecer. O que vou fazendo de mim é parte do que o jardim das papoulas foi fazendo com o que fizeram comigo num dado tempo-espaço do viver. Esse jardim co-existente que habita no ser que sou, hoje, me fez ser mais. Quiçá a vida se eternize como um lindo jardim de papoulas.


Epílogo

Esse jardim ao qual me referi, nessa reflexão vital, existiu. Foi real. Um pequeno jardim que fiz no quintal de minha pequena casa onde morava com meus pais e irmãs. Um jardim onde cultivei as papoulas que minha avó ajudou a plantar. Bom seria se as crianças, adolescentes e jovens cultivassem seus jardins e fizessem lindas trocas; compartilhassem suas vidas com suas avós. Fizessem arte ao fazer jardins. No meu jardim, não cultivei somente papoulas. Cultivei esperança, fé, amor e possibilidades. Cultivei ética e estética. Cultivei sonhos e felicidade. Esse jardim continua sendo cultivado. Ele é vital. Um lugar onde posso, sempre que precisar, encontrar a mim mesmo, ao que pode me dar direção e servir de referencial. O meu jardim de papoulas mantém viva a criança que fui no adulto que sou. Ele é minha metáfora da vida.

NOGUEIRA, Valdir
dbNog. 

3 comentários:

  1. Um bem sucedido texto, expressando a mística do jardim e a mítica da papoula! A arte e a criatividade do artesão-jardineiro transfiguram-se pela vitalidade da papoula... Oxalá que todos tivessem a oportunidade de vivenciar um jardim de papoulas, que inspiram força-fé-esperança e Felicidade!

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  2. Hoje precisei revisitar esta escrita para lembrar dos MOTIVOS que tenho para me manter FIRME na VIDA!

    Valdir Nogueira.
    Simplesmente, EU.

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