quarta-feira, 2 de março de 2011

Putrefação em vida


Odor putrefato coexistente. Vida cambaleante, deslegitimada. Privilégios são exacerbações dos corpos decompostos em vida. Odores e dores enchem odres tornados insignificantes. Vermes antisociais esperam, nos limites do corpo, os limites da vida. Produz-se ansiedade e necessidade. Medo e morte. Não há tolerância e compreensão. Anunciam-se aos gritos, mentiras e ilusões. Corporalidade esgarçada, negada. Cifra usurpadora. Abutres esperam a queda do desvalido. Tudo e nada são partes da mesma conspiração. O poder mágico é disfarce, engodo e mito. Uma dada lógica cria miséria e dependência; cria desajustes e insanidades. Pode existir em plenitude aquele a quem o viver não passa de mera abstração? O esforço é visceral. Luta-se contra purulências que emergem da inoperância. Hospedeiros incoerentes agem como sanguessugas. Roubam a natureza da natureza. Extirpam a pulsão e o élan vitae. Viver no presente, com o que não foi escolha própria no passado, é condição de débito. Estigma sombrio. Espectro de mãos em delito. Sono perene rompido pela fome. Uma fome que anseia força e vitória. Impõem-se regras e normas que não ampliam o viver. Impõem-se antividas, eutanásias forçadas. Onde está a couraça da justiça? O que fizeram desse emblemático e superficial repouso dos tolos? O real, tal como ele é, causa náuseas. Difícil suportá-lo. Precisa-se de mecanismos; precisa-se de conjecturas para definir o modus operandis da soberania. Apodrece a carne daquele que vive no jogo do pseudopoder. Soberbos saem incólumes do confronto e tiranizam a massa, as sobras, os manipulados. Os incapazes e insuficientes são jogados de um lado para o outro. Os proliferadores de covas se agrupam em seus ninhos tecidos a fios de ouro. Carruagem de pedra para o corpo gélido, sem vida. Translado suave para corpos artificializados - ostentadores da vida falseada. Drama que se repete em cada instante – o da minimização do viver colocado em celas e nas masmorras. O viver encarcerado arrasta-se em direção a uma luz que não existe, caminha rumo a insustentável sobrevivência. É sobra, resto, dejeto. Anti-odores auxiliam no convívio. Sangra-se corpo e espírito. Máquina que não reconhece sentidos, não sabe dos significados. Operador que não cede ao suborno e a feitura de moribundos. É preciso coragem e ousadia para não se entregar ao cheiro entorpecente. É preciso reinventar a si mesmo para não cair nas ciladas do criador de destinos. É preciso criação e autoria de espaços existências próprios, legítimos. A não-originalidade do viver produz putrefações. Produz sombra e lápide. Jazem os espíritos dependentes; vivem os espíritos nobres. Espíritos livres. A nobreza em ser o que se é sem tinturaria. Tarefa mortífera, mas necessária. A existência não é passagem para o paraíso. É linha que se escreve com caneta atômica. Verbos com capacidade de implodir edifícios levianos. Anti-odores.

NOGUEIRA, Valdir
DbNog 

3 comentários:

  1. Ser assim, só como congelar e virar um bloco de gelo. Imagem grudada, retratada. E aos poucos vai derretendo, a putrefação aos poucos. casos e descasos, a quem entenda.
    Abraços, gui

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  2. Querido, Gui! Você tem um pensar que capta o sentido do sentido das palavras. Desenhe sua estrada, risque seu caminho, ande por trilhas que ajudem-no a explorar ainda mais seu potencial crítico e criativo. Abraços de quem lhe admira,
    Valdir
    DbNog.

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