terça-feira, 15 de novembro de 2011

INTEMPESTIVO





O mergulho em si mesmo é uma exigência da liberdade. Uma experiência translúcida em mar aberto. 


DbNog
NOGUEIRA, Valdir. 

INTEMPESTIVO





VIDA, um tempo carregado de Auroras.



DbNog.
NOGUEIRA, Valdir. 

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

NADA



Escrever o Nada. Não saber. Não querer. Não poder. Insatisfação. Produção de medo e revolta. Desejo puro de sair em disparo. Perturbação da alma. Fogo sobre água. Terrível inverno que não passa. Peso de alma que não se encontra. Angustiosa insônia. Gélida noite que não termina. Insano sistema que aprisiona. Corrupto e insólito discurso que se alastra. Falsa denominação. Identidade perversa. Covil de lobos. Alcatéia negra. Não passa o tempo. Não acaba a espera. Não cessa o choro na fenda interna. Disfunção crônica e dúbia. Nada de resistência. Nada de enfrentamento. Correntes que maltratam. Feridas abertas. Sanguinária maquinaria que não se pode ver. Ilusório céu dos deuses. Mentira escancarada. Tudo foi. Tudo é. Nada que se faz tudo. O tudo que nada é. Estranha ditadura. Perpetuação do infeliz. Distúrbio dos nobres. Pavões da realeza. Comida de leões. Fétidas couraças. Desajustados ângulos visionários. Maltratam com benevolência. Seqüestram subjetividades. Denigrem os espaços e tempos do porvir. Nada. Apenas nada. Buraco teórico. Mármore depositário. Onde podes e com quem podes? Onde ficas e com quem ficas? Corpo fraturado. Espelho negro. Torrente que sufoca. Vida que escapa. Suspiro que some. Mudez que se alavanca. Quantificação do absurdo. Negação do autêntico. Subserviência projetada. Abismo camuflado. Nada além. Nada aquém. O tudo nada foi. Esquecimento e deterioração. Abandono. Desassossego e inércia. Raça imprópria disfarçada de cordeiro. Áspero chão que consome. Território dissipador. Vento insano. Contra o nada. Pulsão que não se curva. Grito de liberdade. Lágrima sincera. Roubo violento da vida. Violação do sonho.

DbNog.
NOGUEIRA, Valdir. 

domingo, 18 de setembro de 2011

DESTA JANELA


Daqui desta janela, olho para o mundo externo e vejo a vida que passa. Vejo também a vida que é projetada a um futuro que não pode ser no presente. No hoje vivido, a vida apenas passa com aquele que corre no parque; com o pássaro que voa livre no céu nublado; com as árvores que parecem inertes no tempo e no espaço. A vida passa e vê-la, senti-la passar é deveras torturante, mas também, desafiador porque move o devir. Move a vontade de participar do viver, do fluir contínuo sem se ver excluído, sem se colocar numa prisão mesmo estando livre. Daqui desta janela, vejo vida e não-vida. Vejo o projeto de um viver que se descortina no vivido e o vivido que não se quer repetir vivendo. Vejo o que é vida para quem está e pertence e o que é viver sem vida para quem nunca esteve e nunca pertenceu. Esta janela não é ampla, mas de onde estou posso ver ainda, uma dinâmica externa que produz uma dinâmica interna; posso ver um movimento de transeuntes que movimenta o desejo da transição, a necessidade da transformação. Desta janela, como num afunilamento, vejo um risco de Sol que resiste ao acinzentado do céu; um risco de luz que acende a esperança de outra possibilidade de vida para que esta não apenas passe; para que não apenas siga no tempo, mas que seja e flua em tempos que coexistem. Desta janela vejo a grandeza do sonho de estar em outras janelas vivas de onde se possa ver e sentir a vida sem que ela apenas passe, mas que ela, em plenitude e em profundidade, seja. Desta janela onde estou fixo anseio o fluxo, a contingência da vida experimentada, sentida, vivida. 

DbNog.
NOGUEIRA, Valdir. 

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Intempestivo





Se eu pudesse, morreria hoje. Mas não posso.
Então morrerei amanhã, mas não cabe a mim decidir.
Já sei, morrerei aos poucos e tudo fica resolvido. Porém, isso só se concretizará depois que eu tiver vivido tudo que me cabe viver.



DbNog.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Disponível em: http://imgs.obviousmag.org

Disse o Elfo: Quero a minha vida. 
Que vida? Perguntou o Ente. 
A vida que não pude escolher, respondeu o Elfo.

Db.Nog

terça-feira, 17 de maio de 2011

SOBRE FÉ, SILÊNCIO E INACREDITÁVEL-POSSÍVEL



Quero dizer que o silêncio que vivo é, de fato, um silêncio-fé; um inédito-viável[1]. O silêncio é o que mais profundamente chega ao meu ser, à minha existência. O silêncio é um direito. É assim que o vejo. É meu direito: direito de pensar a mim mesmo, direito de rever a vida, direito de buscar a essência da vida, direito a sonhar com meus direitos. Por isso, não posso deixar de estabelecer uma relação entre essa ideia de inédito-viável e o que o silêncio, neste momento, representa para mim: é a possibilidade do impossível. Sabemos que nesse mundo, construímos mundos, construímos lugares. Meu sonho é a construção de um mundo-possível a partir da construção do meu mundo, do meu lugar no mundo. Eu creio e muito no que virá; eu creio e muito no sonho possível. Eu creio no sonho que o homem alimenta; eu creio no novo que se quer construir. Eu creio no inacreditável! Formidável, iluminador, fantástico esse pensamento. Acreditar no inacreditável. Assim, penso no inédito-viável como possibilidade-sonho e no inacreditável-possível como realidade-vida. O inacreditável nos faz transcender o que vemos e o que vivemos; nos faz olhar para muito além do que está posto; nos faz sonhar para além dos próprios sonhos. Eu sonho. Eu tenho sonhos! Sei que vou realizá-los; sei que eles são inacreditáveis-possíveis; sei que eles são as lindas possibilidades da vida que estão presentes, estão como vir-a-ser nas dimensões que somente a fé tem acesso e pode abrir. Eu creio!

Pós-escrito


Hoje, essa é a minha mais linda oração: creio no inacreditável e recebo o impossível. Lindo isso! Essa oração confirma que meus impossíveis, meus inacreditáveis poderão ser possíveis! Sempre quando volto de outros lugares por onde ando, volto sonhando, volto alimentando a esperança. Nesse momento de silêncio-fé, tão importante para mim, cheguei a pensar que a esperança havia morrido. Que não há esperança. Ao contrário, a esperança é o que alimenta a vida nos sonhos-possibilidades, é o que dá sentido à crença no inacreditável. Eu acredito no novo, no que virá. Acredito na força-vida que alimenta minha fé; alimenta a crença de que eu mereço e posso ser feliz. Alimenta a crença na realidade do inacreditável. Por fim, quero dizer que o que sonho não sonho apenas para mim, meu sonho também é com e para os outros. Nos meus sonhos está minha família, meus amigos, os jovens, as crianças, os que já estão sem sonhos e sem fé no inacreditável. Que essa seja uma oração em comum: Cremos e vemos o impossível; acreditamos no inacreditável; recebemos o impossível.

NOGUEIRA, Valdir.
DbNog.


[1] Como bem se sabe, Paulo Freire defendeu com propriedade a ideia dos inéditos-viáveis. O inédito enquanto o inesperado, o não-pensado. 

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Tempo certo, hora certa, lugar certo. Só eu não sabia se estava certo.

NOGUEIRA, Valdir
DbNog. 

quinta-feira, 5 de maio de 2011


Salvador Dali - O nascimento do novo homem


Uma mudança profunda no modo de ver, entender e habitar o mundo, passa antes, pelo enfrentamento e mudança que o homem deverá fazer em  si mesmo. 


NOGUEIRA, Valdir
Db.Nog. 

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Perspectivação


Salvador Dali - O tempo no espaço, o espaço no tempo. 

Define-se o olhar à frente de um dado tempo. Não do tempo todo. Cíclico e incerto. Forma de enfrentar desafios e desacertos. Corrida insuportável para vencer a dependência, o abandono, a frieza. Passa-se por fissuras tal qual faz a nova crisálida. Enfrentam-se o silêncio e o medo tal quais os guardiões da noite e do escuro. Segue-se para um lado e para o outro; vai-se em muitas direções, chega-se ao ponto do esgotamento. É o único lugar onde se consegue chegar. É o ponto que se consegue atingir. Nada mais. Nem devaneio, nem euforia conseguem definir onde serão fixadas as próximas pegadas. Tudo e nada se consomem no vasto espaço do que parece inalcançável. Sistemas falhos. Alvos descobertos. Dispositivos rearquitetados são impostos como formas de punição. Há mais vida na morte ou mais morte na vida? É o que se pode, em si, desnudar. Nenhuma manifestação. Não há força. Triturou-se o rochedo do escultor. O artista está descalço. A obra não pode ser soerguida. O ócio. Essa é uma abertura. A máquina não o quer. Ele é perigoso. É tempestade. Arte e ócio são ativos suspeitos e em suspensão. É preciso manter os nucleados, os gordos pacotes da burguesia. Fecham-se todos os canais, trancam-se todas as saídas. Impotência, controle, usura. O direito se torna engodo. Os tentáculos do capitão-mor condensam os incautos. Armadilhas sórdidas punem os desavisados. Produzem-se anomalias. No jogo estabelecido, as cartas já foram marcadas. Já se sabe o vencedor. Mas qual a vitória? A profundidade. Ir fundo. Enquanto não se chega aos abismos do desconhecido, nem tudo de controla. É preciso extrair o mais puro fio, a mais pura molécula para que haja total determinação da vida. Os artefatos não conseguem esse feito. O artesão sim. Esse pode acessar, ainda que parcialmente, imensidões do inexplorado. Há lugares no Ser e do Ser que não há acessos a não ser por ele mesmo. Os entes perspectivam a ontologia do Ser. Inacabada obra. Emaranhado constructo. De dor em dor, de pé a pé, de passo a passo, de riso em riso, de verbo em verbo. Perspectivado tempo do agora fazendo o depois. O viver autêntico não se entrega. 

NOGUEIRA, Valdir
Db.Nog 

quinta-feira, 7 de abril de 2011

NATURALIZAÇÃO DA BARBÁRIE



É comum. É normal. É assim mesmo. Sempre acontece. Não tem jeito. A barbárie está naturalizada. Crianças morrem de fome, na pobreza, na miséria e isso é normal. Outras ficam horas, dias, meses nos corredores dos hospitais a espera de uma ajuda que talvez lhes chegue a tempo ou quem sabe, nunca lhes chegará. Isso é natural. Tem que esperar e agradecer por conseguir uma vaga no corredor. É o único jeito. Muitos pequenos e pequenas mendigam nas praças, nas ruas, nos becos das grandes e pequenas cidades sem ter para onde ir e onde ficar. Sentem fome e frio; ficam doentes e apodrecem em meio ao desprezo tendo como anestesia para tudo isso a droga, o álcool, o fumo, a prostituição. Mas fazer o quê? Isso é assim mesmo. Não mudará. Já estamos acostumados. Milhares de meninos e meninas são violentados de diferentes formas enquanto cães e gatos são tratados como reis e rainhas, vivem do luxo e da luxúria. Coisa muito natural para quem pode. O resto é resto, é lixo, é sobra humana. Normal para quem não pode. Alguns são explorados, maltratados, humilhados, deixados de lado sem ter quem lhes ampare, sem ter quem lhes dê abraço, afeto e carinho. Isso sempre acontece. As anormalidades sociais se tornaram acontecimentos normais e é natural que seja assim. A sociedade está anestesiada. Está ou estava? Será que o choque provocado pelo ato assassino na escola carioca tirou-a do invólucro que a envolvia? Mas qual sociedade estava cristalizada? A da redoma criada por poucos, ou aquela que inventou formas de naturalizar, normalizar a barbárie pelo fato de já não conseguir mais eco para seu grito de socorro? Uma olha de longe, outra sente de perto. O que fazer? Seja o que alguém quiser. É a primeira vez que vemos algo tão cruel acontecer assim na realidade das escolas brasileiras. Mas, e o que já aconteceu na Candelária, nos morros, nas favelas e em muitos outros lugares? E as atrocidades que ocorrem dioturnamente e não se tornam manchetes porque não interessa falar e noticiar a normose instalada? Talvez estejamos todos acordando um pouco tarde, ou quem sabe, despertando em tempo. A normalidade da anormalidade naturalizada havia por bom tempo nos colocado num sono quase mortal. E aquelas crianças que tem suas infâncias roubadas, seqüestradas, assassinadas pelas horas que ficam diante das telas dos computadores, matando sujeitos virtuais? Ou ainda, aquelas que se trancam nos quartos psíquicos porque os quartos, salas e outros espaços de suas casas, seus lares já não lhes são seus, dada às formas violentas com que são ou foram tratadas? A barbárie no RJ pode ser um reflexo do espelho de tantas outras barbáries que entram nos lares de diferentes formas e por diferentes meios. Essas e outras formas de crime contra as crianças já estavam naturalizadas, já se encontravam num estado de normalidade em nossa sociedade. É triste e dolorido que tenha que ser o grito desesperado de 12 adolescentes assassinados o motivo pelo qual a sociedade brasileira desobstrua a barreira que havia lhe ensurdecido e, a mais, que sirva como elemento para retirar o véu que a impedia de ver e sentir a dor de tantas outras crianças vitimadas, assassinadas de outras formas e, por já estarem em estado de normalização e naturalização, muito pouco se fazia. Espero que não tenhamos que enfrentar outro dia bárbaro como este neste país para entender que as coisas não são assim mesmo, que isso não é normal e que sempre aconteceu e vai continuar acontecendo. Se já havíamos nos acostumados com o não tem jeito, quem sabe agora possamos juntos, enquanto sociedade irmanada com essas famílias e muitas outras, gritar: HÁ UM JEITO! Que a vida e não a morte nos ajude a encontrá-lo.Que isso não se repita em escolas e em qualquer outro lugar desse país que nos pertence.
 

NOGUEIRA, Valdir. 
 

quinta-feira, 24 de março de 2011

(RE)TORNAR



Corpo e alma nem sempre conseguem suportar os espinhos. Difícil compreender a dor. Muitas são as tentativas. Os caminhos se encurtam. A volta demarca um fim. Sentir o que já foi sentido. Não querer repetir o vivido. Tempos sempre carregados de esperança. Resistir e não se entregar. Existências vivem demoras. Barulhos distantes, ruídos que não cessam. Querer a liberdade tão desejada. Sentir o pulsar do coração e da respiração sem precisar abandonar-se. Dor incomparável, a das ausências. O inalcançável e inatingível é a impossibilidade possível. Passo decisivo, firme e certeiro. Entregar-se ao desespero não pode ser a única porta. Há outras clareiras, outras centelhas de vida. Pode ser dolorido deixar, nas pegadas do passado, o que o presente desenhou. Uma ação necessária para que outros traçados sejam feitos. Uma junção de forças e energias alimenta o alvorecer. O tempo escapa. A razão não aceita o determinismo. O destino é a negação da surpresa, do acaso. Entre o “pode haver” e o “se houver”, há uma brecha, uma fissura. Há um espaço-lugar para o que já é. Retornar pode ser a mais difícil das tarefas existenciais, mas é necessária. Não se retorna tal qual se estava no ponto de partida. O retorno pode ser uma nova partida; um recomeçar. O (re)tornar é a ação do verbo tornar – sentido de fazer, concretizar, realizar. Tornar realidade. A volta pressupõe concretude. Definição da vida. Retornam-se da guerra, das lutas, dos embates, de viagens, trabalhos e aventuras. O retorno é movimento dialético e complexo. Flecha que segue, ao mesmo tempo, dois sentidos. Lança com pontas afiadas em suas extremidades. Retornar, enquanto ato de tornar é igual onda que não cessa de ir e vir.  Retorna da praia em direção ao mar; do mar em direção a praia num constante processo de mudança e transformação. O retorno é provocativo, desinstalador. Não é negação, mas re-invenção. 

NOGUEIRA, Valdir.
Db.Nog. 

sexta-feira, 11 de março de 2011

As duas escadas


Galgar degraus. Subir e descer. Estar no alto. Sentir o chão. As escadas conectam dimensões. Elas produzem efeitos diversos, segundo o ponto de vista de cada um. Elas levam de um lugar para o outro. Transportam de um ponto ao outro. As escadas são muitas e muito diferentes. Para uns, elas são metáforas, para outros, analogias. Algumas são lineares, outras complexas. Algumas definem ambientes, outras definem vidas. Algumas seguem lógicas naturais, outras seguem a pura racionalidade. Para alguns, elas são apenas utilitários, para outros, são palcos de fortes acontecimentos. O que representa a escada para cada vivente, para cada existência fluída, nesse cosmo social e planetário? Talvez representem passagens, transgressões ou transcendências. As escadas, em cada forma, em cada lugar e contexto, são sempre possibilidades. Podem indicar de onde parte e para onde vai aquele que por ela passou. Passa-se por muitas escadas ao longo da vida. Nos diferentes tempos do existir, convive-se cotidianamente com elas. Estão em todos os lugares. Algumas, muito visíveis; outras, mais escondidas. Algumas delas quase imperceptíveis. Pelas escadas circulam universos imaginários, fantasias e ilusões. Nelas e com elas se podem fazer experimentos capazes de mudar o curso de uma vida. Escadas guardam registros históricos. Elas podem abrir frestas capazes de produzir recordações e sensações muito singulares. Muitas escadas emocionam. Outras compõem cenários de momentos únicos. Escadas enaltecem. São nobres. Com elas se vivem momentos de pura ludicidade, poesia e prosa. Vive-se o gozo da arte e da criação. Há certo poder que move esse artefato, essa moldura, essa construção sociocultural. As escadas promovem, sem querer, encontros e desencontros. Nelas a diversidade e a singularidade se misturam e se mesclam. Elas são híbridas. Passam pelas escadas, os sonhos, as possibilidades, as esperanças, os desejos, as vontades, os segredos, os mistérios do que existe e preexiste. Não importa o tamanho, a largura ou o material do que são feitas, as escadas fazem parte de estruturas e mundos muito específicos. Alguns passam pelas escadas cheios de intencionalidades, outros, completamente vazios, sem vida. As escadas são espaços carregados de afetos. Ajudam a pertencer, a presentificar-se.


Pós-escrito

As duas escadas que encontrei certo dia me possibilitaram pensar sobre como elas estão presentes em minha vida e também, sobre como estou no meu presente, no meu agora após ter passado por elas. Foi um momento único, numa tarde ensolarada.

NOGUEIRA, Valdir.
Db.Nog.



terça-feira, 8 de março de 2011

Lucidez


Os meus mais nobres momentos de lucidez são aqueles em que os outros pensam que estou louco. E como vivo esses momentos? Igual a criança que recém chegou ao parque. 

NOGUEIRA, Valdir.
DbNog. 

DOS ELOS PATERNOS

A mão de minha mãe e a minha mão - mostrando-me de onde e como se faziam os fios que teciam as redes de pesca dos meus avós. 

Quero iniciar esta escrita, direcionando-a a todos nós que nos aventuramos por novos caminhos, outros horizontes com um pensamento de Paulo Freire que considero muito significativo. Esse educador brasileiro, carregado de esperança e sonhos, assim se expressou em uma de suas obras: “Sonho não é coisa de maluco. Sonho é coisa de quem vive e de quem existe – existir é mais do que viver – e sonhar é uma necessidade humana. Sonhar com um projeto de vida”. Nesse dizer-sonho de Paulo Freire, quero dizer coisas de todos nós, das alegrias, dos encontros, das histórias, das conquistas, da esperança e da vida que carregamos.
Nossos pais sabem que somos especiais; que há muita vida e sonho em nosso existir. Sabem do valor que representamos pela singularidade de nosso viver, pela possibilidade que existe e persiste em cada um de nós. Para eles, existimos. Sabem que esse existir como bem nos afirma Freire, é mais do que viver. É marcar, é tornar-se presentificado em todos os momentos, em todos os instantes, em todos os cantos, espaços e lugares por onde circulamos, onde aprontamos as nossas algazarras, onde se ouviram os nossos choros e gargalhadas; onde sentiram os nossos abraços; perceberam os nossos olhares, entenderam os nossos pedidos de ajuda; ouviram as nossas falas, vozes, saberes – tudo isso se fez e faz existência. Portanto, coexistimos. Estamos juntos e permanecemos juntos, mesmo estando distantes, mesmo estando em outros lugares. Quem é pai-mãe sabe que esses lugares do existir-com nos conectam, nos aproximam pelo sonhar, pelo pensar e pelo agir.
O tempo do existir é sempre agora, é sempre hoje. É sonho carregado de projetos de vida. Nossos pais sabem quando começamos a dar os indícios ao “por quê?” e ao “para quê?” chegamos nesse mundo. Com eles, ensinamos e aprendemos. Aprendemos que agradecer é importante, que amar é sublime, que sorrir é vital, que apoiar, cooperar, respeitar e ajudar é fundamental nessa forma de vivermos nossa humanidade.
Na coexistência, podemos fazer da vida uma nova possibilidade. Torná-la esperançada como a fez Madre Tereza de Calcutá. Transformá-la. Ampliamos o horizonte do viver, descortinando a imensidão enxergada por Luther King que bravamente disse para si e para tantos outros “I have a dream”. Dizer do sonho e torná-lo concreto é ver o quanto a vida é imensa, o quanto ela pode ser mais e melhor. Ser mais digna e melhor vivida, ser mais instigante e melhor compreendida. Ser simplesmente, mais!
Ao buscar esse ser mais, podemos nos questionar: será que a vida é um lugar? É uma flor? Podemos e devemos continuar questionando para que novas perguntas continuem aparecendo e nos levando para frente, sem ter que nos calarmos com as respostas. Sem termos que silenciar nossas aptidões, nossas habilidades, nossas angústias, nosso ser e existir no mundo. Mundo em que a vida não pode ser concebida como mercadoria, produto, e objeto. Uma verdade incontestável. A vida não se vende, não se compra, se vive. Se vive de forma simples, coerente, prudente. Se vive na partilha, na ajuda, no encontro com o outro que também é vida.  A vida pode ser imensa, pode ser sonho, pode ser esperança, pode ser possível em cada lugar-mundo, em cada espaço onde houver existência e onde as pessoas sonham com o existir-possível.
Possível como as curvas que encontramos ao longo do caminhar e que nos fazem mudar de direção, nos fazem ver pela lente do passado que somos todos responsáveis nessa construção do modo de vivermos como humanos. Elas têm o brilho do nosso modo de ser. São tão importantes quanto os meandros de um rio que conectam um percurso ao outro de modo que uma margem pode ver a outra, uma realidade pode se deparar com a outra. Nossos pais nos fazem ver curvas, ver lados, ver margens, ver o que muitas vezes não víamos. Ver que a vida é ter coração igual ao de Gandhi!
Quantas vezes o coração bateu forte com nossas conquistas? Quantas vezes nos emocionamos com um simples obrigado pela vida; quantas vezes sentimos que já não éramos apenas filhos, mas pessoas singulares, com identidades próprias, únicas convivendo e trocando experiências com o mundo? Todos continuam em nós, mesmo indo a outras direções e essa é uma linda dinâmica da existência. É sua contradição, seu devir, sua possibilidade.
Essa possibilidade que depende de quando e aonde formos, onde estivermos e como lá estivermos. O onde depende do que fomos e do que desejarmos ser; o como depende dos sonhos que alimentamos e da esperança que trazemos; o quando depende sim, do agora, do hoje, de um lançar-se para frente, do ser projeto! Pois o hoje, o agora não marca o fim de laços que se firmaram na convivência, eles se ampliam e se elevam para outras dimensões, para outros horizontes. Só temos o hoje em nossas mãos. O ontem já foi e o amanhã ainda não chegou.
O hoje com todo o seu potencial de conectar a complexidade da vida à complexidade dos diferentes modos de ser, de viver e olhar para o mundo. Um olhar especial, verdadeiro. Projeto que se traduz em alegria capaz de produzir SONHO e POSSIBILIDADE, pois isso não é coisa de maluco, é coisa de gente que pensa e que acredita; que tem esperança e que não desiste; que se mostra e que EXISTE!
Quero fazer uso das palavras de Pedro Demo, quando afirma que em uma convivência, em uma existência feliz, “Deixa saudade o momento particularmente intenso, a profundidade vivenciada na passagem, o encontro limitado de envolvência infinita”. Assim foi e é a história-vida de todos nós em nossa história-vida com aqueles que amamos - um momento intenso que deixa saudades pela infinita envolvência presentificada.

NOGUEIRA, Valdir
DbNog.

Pós-escrito

Os fortes ventos contrários que sopraram na experiência vivenciada com minha família, foram os que mais me impulsionaram a seguir minha trajetória. Em muitos momentos eles voltaram e agitaram o meu viver, mas não fizeram com que eu desistisse da vida. Pelo contrário, continuaram a ser força propulsora. A vida com os pais é sempre carregada de forças estranhas e muitas vezes, quase inexplicáveis. Vivem-se experiências únicas. A família sempre foi meu porto seguro, mas é sempre bom estar em mar aberto. Um dia desses, fiquei observando, por bom tempo, a respiração vital de minha mãe durante seu sono da tarde, no sofá da sala. Uma respiração difícil por seus problemas pulmonares, mas carregada de esforço-vida. Noutro, meu pai abraçou-me e me deu um beijo de alegria pelo reencontro. Beijo que supera marcas de um tempo já findado – momentos existenciais singulares que só quem os vive é capaz de compreendê-los.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Putrefação em vida


Odor putrefato coexistente. Vida cambaleante, deslegitimada. Privilégios são exacerbações dos corpos decompostos em vida. Odores e dores enchem odres tornados insignificantes. Vermes antisociais esperam, nos limites do corpo, os limites da vida. Produz-se ansiedade e necessidade. Medo e morte. Não há tolerância e compreensão. Anunciam-se aos gritos, mentiras e ilusões. Corporalidade esgarçada, negada. Cifra usurpadora. Abutres esperam a queda do desvalido. Tudo e nada são partes da mesma conspiração. O poder mágico é disfarce, engodo e mito. Uma dada lógica cria miséria e dependência; cria desajustes e insanidades. Pode existir em plenitude aquele a quem o viver não passa de mera abstração? O esforço é visceral. Luta-se contra purulências que emergem da inoperância. Hospedeiros incoerentes agem como sanguessugas. Roubam a natureza da natureza. Extirpam a pulsão e o élan vitae. Viver no presente, com o que não foi escolha própria no passado, é condição de débito. Estigma sombrio. Espectro de mãos em delito. Sono perene rompido pela fome. Uma fome que anseia força e vitória. Impõem-se regras e normas que não ampliam o viver. Impõem-se antividas, eutanásias forçadas. Onde está a couraça da justiça? O que fizeram desse emblemático e superficial repouso dos tolos? O real, tal como ele é, causa náuseas. Difícil suportá-lo. Precisa-se de mecanismos; precisa-se de conjecturas para definir o modus operandis da soberania. Apodrece a carne daquele que vive no jogo do pseudopoder. Soberbos saem incólumes do confronto e tiranizam a massa, as sobras, os manipulados. Os incapazes e insuficientes são jogados de um lado para o outro. Os proliferadores de covas se agrupam em seus ninhos tecidos a fios de ouro. Carruagem de pedra para o corpo gélido, sem vida. Translado suave para corpos artificializados - ostentadores da vida falseada. Drama que se repete em cada instante – o da minimização do viver colocado em celas e nas masmorras. O viver encarcerado arrasta-se em direção a uma luz que não existe, caminha rumo a insustentável sobrevivência. É sobra, resto, dejeto. Anti-odores auxiliam no convívio. Sangra-se corpo e espírito. Máquina que não reconhece sentidos, não sabe dos significados. Operador que não cede ao suborno e a feitura de moribundos. É preciso coragem e ousadia para não se entregar ao cheiro entorpecente. É preciso reinventar a si mesmo para não cair nas ciladas do criador de destinos. É preciso criação e autoria de espaços existências próprios, legítimos. A não-originalidade do viver produz putrefações. Produz sombra e lápide. Jazem os espíritos dependentes; vivem os espíritos nobres. Espíritos livres. A nobreza em ser o que se é sem tinturaria. Tarefa mortífera, mas necessária. A existência não é passagem para o paraíso. É linha que se escreve com caneta atômica. Verbos com capacidade de implodir edifícios levianos. Anti-odores.

NOGUEIRA, Valdir
DbNog 

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Jardim das papoulas


Se um dia encontrar um jardim igual ao que existiu, será o jardim que os meus desejos e sonhos ajudaram a reconstruir. Um jardim repleto de vida, carregado de sensações indescritíveis. Jardim que foi regado e adubado com gotas de vida e sementes de amor. Não há como compará-lo. Era único, singular. Nele havia muitas possibilidades de encontros, trocas, afagos e olhares. Os risos vinham de longe acompanhados de um semblante eternizado. Doce lembrança. Papoulas coloridas o enfeitavam, o deixavam com um misto de ternura e arte. Era pequeno. Muito pequeno em tamanho, mas extenso, imenso em riqueza espiritual. Nele havia espaços para outros brilhos, outras cores, outros cheiros. Remexer na terra do meu jardim era como remexer na terra do coração tão repleto de vitalidade; tão repleto de alegria. Nesse jardim, tudo que era cultivado florescia. Florescia o cuidado, a gratidão, a cumplicidade, o respeito, os diálogos e as demoradas contemplações. Ficava muito perto da morada habitada intensamente. Muito próximo da janela de onde se podia olhar para ele sem se cansar. Um jardim carregado de sentidos e significados. Os sentidos daqueles que o fitavam e os significados de seu jardineiro. As papoulas floresciam de forma majestosa. Era como se tocassem o mais profundo do ser. No amanhecer e no entardecer, ele recebia o cuidado compromissado de seu artesão. Esse jardim estabelecia elos que nem o tempo, nem a distância, nem a morte puderam separar. Vive repleto de cores nas reminiscências. Não se apagou e nem foi esquecido. Era um lugar da pertença e da presença. Um espaço de comunhão com outros seres; um lugar onde se encontrava a força do existir pertencendo; do pertencer compartilhado. Havia muitos tempos nesse jardim - da coleta de sementes ao alvorecer de uma nova planta e, com ela, o fluir de novas florescências. Tempos que marcaram vida; tempos que ficaram registrados nos esconderijos da memória. Após as chuvas, havia grande alegria entre os muitos pés de papoulas; com os ventos elas bailavam; com o sol, brilhavam. Esse jardim alimentava um universo. Retribuía coragem e energia ao jardineiro. Um jardim repleto de magia. Seu lugar de existência estava demarcado pela copa de um abacateiro – lugar de outras vivências. As experiências vivenciadas no jardim das papoulas foram transformadoras. Elas criavam e recriavam os dias e as noites. Experiências expressas em momentos de transcendência, de superação e coragem. Não havia tempo melhor do que “o hoje” vivenciado em cada novo amanhecer naquele pequeno território existencial. Hoje, em meu tempo presente do existir, foi preciso voltar ao jardim das papoulas para reencontrar a estética da vida. Foi preciso revisitá-lo para não me perder no caminho; foi bom senti-lo, mesmo que em pequenos fleches; em rápidos lampejos. Voltar ao jardim que me ajudou a ser, a fazer-me possibilidade é o mesmo que não desistir de continuar vivendo. É o mesmo que desejar romper muitas vezes com as grades que encerram os desejos, as buscas, as escolhas. Esse voltar rememorado é necessidade de continuidade. É exigência do próprio viver que não desiste de si mesmo. A vida sabe o que não sabe o vivente. O viver encontra sua direção quando o que vive não sabe para onde ir. Não saber para onde ir é desafio que se abre a quem existe na plenitude de cada novo amanhecer. O que vou fazendo de mim é parte do que o jardim das papoulas foi fazendo com o que fizeram comigo num dado tempo-espaço do viver. Esse jardim co-existente que habita no ser que sou, hoje, me fez ser mais. Quiçá a vida se eternize como um lindo jardim de papoulas.


Epílogo

Esse jardim ao qual me referi, nessa reflexão vital, existiu. Foi real. Um pequeno jardim que fiz no quintal de minha pequena casa onde morava com meus pais e irmãs. Um jardim onde cultivei as papoulas que minha avó ajudou a plantar. Bom seria se as crianças, adolescentes e jovens cultivassem seus jardins e fizessem lindas trocas; compartilhassem suas vidas com suas avós. Fizessem arte ao fazer jardins. No meu jardim, não cultivei somente papoulas. Cultivei esperança, fé, amor e possibilidades. Cultivei ética e estética. Cultivei sonhos e felicidade. Esse jardim continua sendo cultivado. Ele é vital. Um lugar onde posso, sempre que precisar, encontrar a mim mesmo, ao que pode me dar direção e servir de referencial. O meu jardim de papoulas mantém viva a criança que fui no adulto que sou. Ele é minha metáfora da vida.

NOGUEIRA, Valdir
dbNog. 

Compartilhando vidas


A vida plenamente vivida, não nega a tristeza, o frio, o escuro, o vazio; não esquece os motivos para se alegrar e sorrir. Na sua dinâmica, se faz teia. Nessa vida assim vivida, a felicidade pode e deve ser entendida como um tempo de espera das coisas que irão acontecer, mas também, um tempo do acontecido; um tempo para o novo, para o desconhecido; um tempo para esperar o tempo; um novo tempo de descobertas, de futurição. Um tempo de ser alegre com as muitas coisas da vida; um tempo para o não-querer fundado em uma motivação impulsionadora de outros horizontes.
Horizontes estes que podem ser sustentados em uma ética ou ainda, em valores que impulsionam o bem viver e o querer viver bem. Alegria por ver que as coisas podem dar certo. Uma perspectiva em que a alegria não se dissocia da certeza incerta - a pergunta que desinstala: como vai ser a vida daqui para frente? Será um tempo de mudanças? Sofrer ajuda a crescer? Crescer é olhar para além do que está posto? É buscar novos horizontes, outras possibilidades de vida na vida em curso? Vida que se descortina e faz pensar e olhar para o tempo de crescer; ver o que é crescer e como crescer; surpreender-se consigo, sentir orgulho com as coisas que consegue fazer e sobre como consegue fazê-las; uma existência agradecida por tudo que a própria vida lhe dá de presente.
 A vida é um acontecimento. Ela não está programada, definida a priori, determinada como autômatos. Enquanto possibilidade, pode ser carregada de companheirismo, de amizade, de presentificação do outro. É bom ter os amigos bem perto e é bom levar consigo, por onde for e onde estiver, a marca da presença dos fortes momentos de convivência. Essa marca do viver mais junto, do viver mais perto, do viver mais presente.
Uma marca que nos enche de esperança, que nos desafia a construir mundos melhores. Mundos carregados de uma intensa felicidade estampada num belo sorriso; num lindo olhar expressando o existir pertencido, a alegria, os sonhos. Os sonhos que parecem não dar conta do tempo que passa rápido; um tempo que já não permite ficar mais tempo juntos, um tempo que segue e que traz novas descobertas, novos espaços, novos horizontes. Horizontes marcados pelas metas que traçamos, pelos objetivos que almejamos alcançar.
A vida, como num caleidoscópio ou num turbilhão de acontecimentos, encontros e partidas, desejos e sonhos se faz mais vida quando temos metas, projetos, lutas. Quando buscamos ser mais e nos permitimos viver mais. Viver melhor. Uma vida desenhada e imaginada para ser grande.
Seguimos nossos caminhos com as marcas que se presentificaram: o riso, o brilho no olhar, o diálogo, a troca, o respeito, o companheirismo, a amizade, a alegria, o abraço. Isso nos torna mais humanos, isso nos fortalece enquanto pessoas que acreditam que tudo pode ser melhor; tudo pode ser diferente, tudo pode mudar. E a mudança vem com o exercício da dúvida instigante. A dúvida da dúvida que tantas vezes nos faz sair dos lugares de comodismo, de conforto e nos lançarmos na aventura do aprender mais, do saber mais. Fazer-se mais. Um saber-ser voltado a um saber-viver e um saber-sentir consigo, com os outros, com tudo que nos cerca.
Aprendemos a duvidar porque não nos consideramos prontos, acabados, finalizados. Somos esses seres em constante devir, em constante processo de tornar-se, por isso, não podemos nos dar como encerrados. Há muito que enfrentar, há muito que fazer para tornar-se, há muito para ser. Ser feliz, viver feliz, buscar a felicidade, descobri-la, encontrá-la, construí-la em cada passo, em cada gesto, em cada novo caminho trilhado. Essa felicidade que nos surpreende e nos faz mais gente, nos ajuda a nos surpreendermos com o simples e o complexo, com o incomum, o inesperado, o impensado. A vida é o maior motivo, a maior certeza de que tudo pode e deve ser melhor.

NOGUEIRA, Valdir.
dbNog. 

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Tecendo Redes


Talvez uma das práticas mais importantes seja a do tecelão. O tecelão vivencia no seu fazer, o fazer dos tecidos, das malhas, dos pontos e nós, fazer as redes; o tecido que configura uma tessitura.
No movimento de tecer o tempo, a troca, a escolha, a possibilidade e a vida se tecem e se entrelaçam; existem na concretude do ato de tecer. O tecelão vai dando forma, tom e cor, vai dando identidade à rede e ao tecido que vai se formando, se fazendo rede e tecido. E onde está a importância deste tecer do tecelão?
Bom seria se cada pessoa pudesse ver-se tecelão - autor do tecido e da rede de sua vida, sua história, seus projetos. Cada um pode tecer da sua maneira a sua rede, cada um pode configurá-la do seu modo, mas para isto é importante ver-se na tessitura, sentir-se parte da rede que vai formando, do tecido que vai compondo.
Muitos viventes, em muitos lugares e tempos ficam a olhar para os nós de suas vidas negando-os sem perceber como foram forjados; outros ficam a olhar para a rede na sua concretude e não percebem que em cada malha e em cada nó há outras redes a serem formadas, tecidas.
O que é ser tecelão e rede? O que é tecer nós na vida do tecelão? Um tecido e uma rede contam histórias, contam o que cada tecelão pode ser; o que pode fazer no ato de tecer tecendo-se. Na escola-vida se tecem muitas redes e muitas redes ficaram sem ser tecidas. Muitos nós ficaram por terminar sua relação com a totalidade da rede, outros formaram outras redes, outros tecidos, novos nós.
No dia a dia muita gente vai formando redes: redes que aprisionam e libertam; redes que desafiam e impulsionam; outras se fecham e se abandonam. Se cada pessoa olhar para si e para o outro, outras redes se tecerão. Porém, o modo como se tecerão depende de como se é tecelão, de como se aprendeu ou descobriu a fazer redes. Tecer é um ato criativo. O tecelão cria o tecido que forma a rede e a rede que vai ser tecida é resultado da criatividade do tecelão.

NOGUEIRA, Valdir.  

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Tramas

Costureiras - Tarsila do Amaral 

E quando não há o que dizer, quando não há palavras, quando não há verbos? Quando tudo parece ter sido sugado, suprimido, o quê fazer? Caminhar? Seguir? Enfrentar? Não há como voltar. Assim ficamos quando acontecimentos inesperados nos surpreendem. Quando eventos nos tiram, de súbito, a força que nos mantinha e nos alimentava lançando-nos para além de nós mesmos. Parece que o que estava perto foi para longe e o que estava longe, mais longe ficou. Andar de um lado para o outro. Parar. Mãos sobre o rosto, semblante entorpecido. Os olhos fitam o longínquo. As mãos se tocam sem parar. O corpo parece não obedecer. Tudo fica caótico. A linha de Ariadne não pode ajudar a encontrar o caminho. O mais meticuloso método não pode fazer parar o que se instalou na existência desfigurada. Calmaria. Desespero. Angústia. Um grito se desprende do profundo ser; um pedido ecoa da alma. Vida. É preciso vida e nada mais. A vida há muito roubada, surrupiada de diferentes formas. Vida que se fora com outros. Renascer muitas vezes. Fazer-se inteiro em muitos tempos e espaços. Tramar os nós sem desfazer os elos que religam partes e totalidades. É a espera esperançada. Esse tempo do não-dito, do não-verbalizado. O fugidio, o que escapou. O que não ficou não era e não podia ser. Transformação em curso. Vida efervescente. Dispositivos necessários. Reconectam-se elos. Natureza em movimento espiralado. Eventos são perguntas insaciáveis. Acontecimentos são dúvidas momentâneas. Desinstala-se o processo da escolha. Ficar. Sair. Mover. O que produzem os verbos quando não verbalizados? Corpo, mente e alma lutam. Eles coexistem no existir de mim e do outro. O ocorrido, o provocado tem muitas faces. Os rostos não se desvelam. É preciso aprender a dizer não. Não estou, não posso, não quero, não vou, não tenho, não gosto, não preciso. Não, não e não. O espírito elevado aprende a dizer não e sim. O espírito servil aprende a dizer apenas sim. Sim e não são escolhas. Na negatividade do não há uma força propulsora. O não é impeditivo e ao mesmo tempo desencadeador de re-ações. Sim e não são eventos duradouros. Deixam marcas. Sim e não precisam ser ditos para os muitos Eus que habitam em um dado existir. Lacuna. Tortura. Estupidez. Acontecimentos são transitórios. Eventos são prolongados. O primeiro exige audácia, o segundo exige rigor. Não se passa pelo existir, habita-se. O corpo é a morada dos Eus. A mente, uma espaçosa sala dialogal. “Cavalga a ti mesmo” - diria um dos eus para outro eu. “Alcança teu interior projetando-o para fora. Lança-o para o horizonte das experiências cotidianas. Cava igual ao mineiro, as tuas cavernas sombrias e faz emergir o mais puro brilhante que há em teus rochedos”. Exercitar a força vital. Fazê-la intensa em cada tempo e lugar. Cantar, dançar, correr, divagar. O quê impende? Quem? Só os Eus habitantes de mim; só eles podem comigo e só Eu posso com eles. Os eventos nos projetam. Os acontecimentos nos paralisam. Nos eventos, um emaranhado vai se tecendo como se faz o tecer das aranhas. A rede é projeção. Nos acontecimentos, nódulos frívolos vão se sedimentando como se sedimentam as calçadas. O sedimento é passarela. Lápide não desejada. Tocar-se, sentir-se, envolver-se. Demorar-se na contemplação da vida em vida sendo vivida. Respirar, beber, cheirar, amar. Eventos a serem experienciados. O que vier serão fatos. Acontecimentos e eventos nos esgotam e nos evocam. Somos existências evocadas. Vivem-se eventos e tramas.

NOGUEIRA, Valdir. 

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Liberdade e Escolhas...

O texto que apresento, foi escrito em novembro de 2009. Nesse tempo eu pensava sobre o sentido de ser livre; sobre o significado de viver livre. É um texto que está em conexão com o texto publicado na madrugada de sexta-feira: Incerto vôo desprendido. Um pensar a vida que abre a madrugada do sábado que vem chegando. 

Tenho pensando na liberdade.
Pensado sobre o que é ser livre.
Pensado sobre saber fazer escolhas.
Sobre viver.

Penso essas coisas porque não tenho me sentido livre.
Porque a liberdade é muito mais do que as minhas escolhas.
Porque a liberdade é muito mais do que meus projetos.

A liberdade pode ser um caminhar na areia do mar.
Um andar pelas ruas.
Um sorriso desprendido.
Um olhar.

Sentir-se livre não é o mesmo que ser livre.
Querer viver livre não é o mesmo que viver a liberdade.
Eu quero, mas não vivo.
Eu vivo, mas não sou livre.

Sou prisioneiro de mim.
Prisioneiro das minhas escolhas.
Prisioneiro do que pensava ser minha liberdade.
Sou prisioneiro do que imaginava me dar vida e liberdade.

Mas não posso ser livre se não me arrisco.
Não posso ser livre se não me permito errar.
Se não me permito viver o incerto.
Se não procuro descobrir o que é ser livre.

Queria que a liberdade fosse uma cor.
Um sabor.
Um desejo.
Uma música.
Uma bebida.

A liberdade pode ser mais.
Pode ser um grito.
Um toque.
Um gesto.

A liberdade não está fora do que sou.
Não mora longe de mim.
Não se esconde.
Não se refugia.
Não se disfarça.
Não se nega.

A liberdade se mostra viva na vida que a deseja.
Se presentifica no ser em si e para si.
A liberdade se espraia.

Busco a liberdade desprendida.
A liberdade corporificada.
Utópica.
Eufórica.
Translúcida.

Se escolho ser livre.
Se escolho viver a liberdade.
Escolho ser eu mesmo.
Escolho o meu espaço.
Escolho a minha forma.
Escolho a minha dança.
Escolho o meu traje.
Escolho as minhas escolhas.

A liberdade é uma chama.
O inimaginado.
Impensado.
Inesperado.

A liberdade é um acontecimento.
Um abraço.
Um afago.
Um diálogo.

É o caos
A ordem e a desordem.
É futuro e presente.
O ontem e o agora.
O antes e o depois.
O pouco e o muito.
O claro e o escuro.

A liberdade é um banho de chuva.
Um vôo noturno.
O sim e o não
O negativo e o positivo
O maior e o menor
O esquerdo e o direito
O verso e o reverso

A liberdade não cabe no papel.
Não cabe na mala.
Não cabe no bolso.
Não cabe na gaveta.
Não se coloca na balança.
Na se contabiliza.

Ela é espaçosa.
É o cosmo.
É uma pulsão.
É um arco-íris.
Um redemoinho.
Um espiral.

A liberdade é o infinito que grita dentro de mim.
É demência, ludicidade e prosa.
A liberdade é o que eu fizer de mim.

NOGUEIRA, Valdir. 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

INCERTO VÔO DESPRENDIDO


A aurora. O precedente. O princípio. O risco necessário. Não podia ser diferente para o pássaro raro. Raridade expressa por sua natureza singular; por sua autenticidade. Pouco restava para a escuridão. O tempo do escuro estava para se desfazer. A aurora precedia o novo amanhecer. A vida pulsava iniciante, tecendo a manhã daquele incerto vôo desprendido. O novo estava para surgir. Emergia do pássaro o sentido daquele vôo, daquela experiência. Da aventura de não negar seu ser terreno e celestial. Um rompimento necessário, uma abertura demarcada antes do anúncio do pêndulo. O horizonte se pintava com outras cores. O escuro ia aos poucos dando lugar a tonalidades revitalizadas. Desprendimento das amarras, das grades e da dependência. O canto vital. Para onde ir? Aonde chegar? Que altura atingir? Com que velocidade? Que direção tomar? Aurora quimérica? A incerteza do vôo era a única certeza. As asas precisavam sair do habitual, do costumeiro, da única certeza estabelecida. Não podia haver mais determinismo; não podia mais haver o predomínio da não-escolha. O pássaro podia se lançar. Havia a possibilidade da abertura, da fresta escondida, ignorada. Os luzeiros da manhã que chegavam, mostravam outros pigmentos, outras misturas sendo feitas no recipiente da vida. Muitas direções para olhar. Alimentar-se antes do vôo? De qual alimento precisava o pássaro ansioso por seguir sua caminhada? Alimentar-se de horizontes, de sonoras sinfonias matinais, de Sol e céu. Um único alimento era-lhe necessário naquela manhã despontada: o alimento do desprendimento de si mesmo. Tal forma de se alimentar exigia desse raro ser, coragem para ousar, criar e sentir-se pássaro. Perceber-se, ver-se pássaro. Acostumado como estava, a chuva já não era mais sentida em sua forma original; o vento não lhe tocava de modo inigualável; a relva não podia ser-lhe o alimento. O mesmo solo, a mesma madeira, o mesmo ângulo da visão impediam-lhe de ser pássaro em sua rara existência. Indecisão tomava o lugar do incerto. Certezas prendiam o desprendido. Caminhos se descortinavam enquanto a aurora se deleitava no novo tempo. Num inusitado instante; num inexplicável movimento o pássaro rompia a manhã. Alcançava as alturas sentido suas forças o levarem para além do estabelecido. Quanto mais alto, quanto mais se lançava, quanto mais rompante era seu vôo, mais perto de si ia ficando. Sentia a energia vinda do bater de suas asas e uma vibração que brotava de seu interior. A aurora cumpria mais um ciclo de sua espiral e o pássaro tecia a manhã em um novo ciclo de sua vida. O pássaro, com as portas da gaiola abertas não era livre. A liberdade não estava apenas em sair da gaiola ou voar para o céu. Buscar as alturas. Não estava em pousar em uma árvore e outra. A liberdade estava no modo de ser pássaro. Passarinhar enfrentando os desafios da mais pura liberdade. A gaiola se rompe no instante em que o pássaro tomou posse de si mesmo. Na incerteza do vôo estava a certeza do renascer do pássaro. Certeza de que desprender-se pode ser uma perigosa aventura, mas também pode ser a mais criativa e instigante viagem ao universo existencial. Pode ser a mais bela conquista ao longo do tecido da vida. Amanheceu. 

NOGUEIRA, Valdir.