segunda-feira, 26 de setembro de 2011

NADA



Escrever o Nada. Não saber. Não querer. Não poder. Insatisfação. Produção de medo e revolta. Desejo puro de sair em disparo. Perturbação da alma. Fogo sobre água. Terrível inverno que não passa. Peso de alma que não se encontra. Angustiosa insônia. Gélida noite que não termina. Insano sistema que aprisiona. Corrupto e insólito discurso que se alastra. Falsa denominação. Identidade perversa. Covil de lobos. Alcatéia negra. Não passa o tempo. Não acaba a espera. Não cessa o choro na fenda interna. Disfunção crônica e dúbia. Nada de resistência. Nada de enfrentamento. Correntes que maltratam. Feridas abertas. Sanguinária maquinaria que não se pode ver. Ilusório céu dos deuses. Mentira escancarada. Tudo foi. Tudo é. Nada que se faz tudo. O tudo que nada é. Estranha ditadura. Perpetuação do infeliz. Distúrbio dos nobres. Pavões da realeza. Comida de leões. Fétidas couraças. Desajustados ângulos visionários. Maltratam com benevolência. Seqüestram subjetividades. Denigrem os espaços e tempos do porvir. Nada. Apenas nada. Buraco teórico. Mármore depositário. Onde podes e com quem podes? Onde ficas e com quem ficas? Corpo fraturado. Espelho negro. Torrente que sufoca. Vida que escapa. Suspiro que some. Mudez que se alavanca. Quantificação do absurdo. Negação do autêntico. Subserviência projetada. Abismo camuflado. Nada além. Nada aquém. O tudo nada foi. Esquecimento e deterioração. Abandono. Desassossego e inércia. Raça imprópria disfarçada de cordeiro. Áspero chão que consome. Território dissipador. Vento insano. Contra o nada. Pulsão que não se curva. Grito de liberdade. Lágrima sincera. Roubo violento da vida. Violação do sonho.

DbNog.
NOGUEIRA, Valdir. 

domingo, 18 de setembro de 2011

DESTA JANELA


Daqui desta janela, olho para o mundo externo e vejo a vida que passa. Vejo também a vida que é projetada a um futuro que não pode ser no presente. No hoje vivido, a vida apenas passa com aquele que corre no parque; com o pássaro que voa livre no céu nublado; com as árvores que parecem inertes no tempo e no espaço. A vida passa e vê-la, senti-la passar é deveras torturante, mas também, desafiador porque move o devir. Move a vontade de participar do viver, do fluir contínuo sem se ver excluído, sem se colocar numa prisão mesmo estando livre. Daqui desta janela, vejo vida e não-vida. Vejo o projeto de um viver que se descortina no vivido e o vivido que não se quer repetir vivendo. Vejo o que é vida para quem está e pertence e o que é viver sem vida para quem nunca esteve e nunca pertenceu. Esta janela não é ampla, mas de onde estou posso ver ainda, uma dinâmica externa que produz uma dinâmica interna; posso ver um movimento de transeuntes que movimenta o desejo da transição, a necessidade da transformação. Desta janela, como num afunilamento, vejo um risco de Sol que resiste ao acinzentado do céu; um risco de luz que acende a esperança de outra possibilidade de vida para que esta não apenas passe; para que não apenas siga no tempo, mas que seja e flua em tempos que coexistem. Desta janela vejo a grandeza do sonho de estar em outras janelas vivas de onde se possa ver e sentir a vida sem que ela apenas passe, mas que ela, em plenitude e em profundidade, seja. Desta janela onde estou fixo anseio o fluxo, a contingência da vida experimentada, sentida, vivida. 

DbNog.
NOGUEIRA, Valdir.