domingo, 9 de dezembro de 2012

Oikos Passageiro


 
 
Às vezes escuro. Temperaturas se alternam. Movimento interno violento. Força que cala e desinstala. Fusão necessária. Ebulição emergente. Do calabouço aos porões e destes aos sulcos dos vales. Andante incessante. Navegador desorientado. Descalço, desalentado, frívolo e efervescente. Indefinida forma. Composição extraída das entranhas. Casulo atemporal. O que responde à dúvida e à incerteza? A própria dúvida incerta. O que reponde à resposta? A pergunta que ela enseja. Variação multiforme. Medo fluido. Nascedouro. Rompe as mais difíceis intempéries. Atravessa os acasos. Escutador dos ventos e dos silêncios. Acessa as tramas. Trama os acessos. Transforma a Opacidade. Segue a espiralada trajetória. Inusitada alquimia. Feitiçaria inconsciente. Movediça sombra. Modelagem singular. Marca que se projeta. Crivo inegável. Observados os observantes. Alto e íngreme. Trânsito afetado. Conteúdo descabido. Variação interconexa. Frágil corpo. Vida incerta. Instantes metamorfoseados. Entranhas se dissipam em complexas redes. Alternâncias coagulantes. Sem distorção, nem alucinógenos. Dor e vazio. Camadas se rompem. Fissuras expandem-se. Traços multicoloridos. Linhas interdependentes. Espasmos caóticos e delirantes. Dreno incessante.  Chegar do outro lado. Sentir a outra forma. Mais uma espera. Outra transformação. Cálida luz. Circundante balanço. Foi assim o processo que constituiu a forma.
 
 
E a forma, por sua vez, deu vida ao processo. Forma e processo agora são o que o casulo permitiu ser. Guardião espaço-temporal da transmutação. Oikos passageiro. Ventre da certeza-incerta. Guardador de frágil embrião. De fora sem olhar para dentro. De dentro desejando olhar para fora. Dentro e fora do que está dentro e do que está fora – novelo, ninho e nó. Superação demasiada. Força absurda. Vôo necessário. Interpenetram-se as variadas dimensões. Olhares, sentidos e espelhos se amplificam. Viver o que é possível no inacabado corpo e na im-perfeita forma é o que define a transição entre forma anterior – de fora e de dentro, que agora é dentro e fora da forma que não conforma. Carregada força vital que fez do in-definido escuro de outrora o claro e colorido sobrevôo definido de agora. A vida é recolocada na paleta e o artista redefinirá a forma na tela ainda não esboçada. Rabiscos são alinhavados pelos noviços ziguezagues sobre jardins. O novo sopro segue sua travessia explorando pigmentos, odores e sabores. Os instantes se redefinem. O viver se refaz. Como num longo e talvez, curto caminho, a vida se estampa. Projeta-se no in-defindo projeto de estar no tempo-espaço que lhe escapa e lhe define projeto em ser.
 
 
 
 
DbNog.

domingo, 9 de setembro de 2012

Andança e Humildade




Foi apenas um instante. Uma fração de segundos. E tudo que se pode contemplar ampliou as formas de olhar para a vida e para o mundo. Tudo muito simples. Tudo muito imenso. Minucias. Detalhes. Visão focada. Impossível capturar todos os sentidos. O mundo tornava-se outro. A vida refazia-se. Atenção à janela espiralada. Multifocal. O mergulho parecia insuficiente. Lançar-se era a aposta. Estar naquela efervescência, naquele caldeirão místico e único. Atingir o além do além. Esforço redobrado. Mente e espirito entretecidos. Lampejos e profusão de significados. Espelhos e reflexos nas superfícies do não-superficial. Parar no tempo do tempo que se é. De dentro, olhá-lo. De fora, senti-lo. Sublime nota musical. Nesse momento o Ente parou e ficou extasiado. Já não podia continuar seu discurso. Estava encharcado de tanta beleza. Foi a vez do Elfo se pronunciar. Qual paleta de cores poderia dar conta de tamanha riqueza? Quais perfumes poderiam assumir os tempos-espaços de tão sutil presença? Que sabores poderiam se destacar nesta inconfundível sensibilidade? O rio junta-se ao mar. O céu sustenta estrelas e sois. Os ventos sopram incansáveis. As águas escorrem para cantos diversos. Os colibris visitam formosas floreiras nas mais amáveis primaveras. Sem indiferença. Demasiadamente presente. Constante. Inusitada forma simbólica. Há na calmaria uma espera e na espera um movimento. Zumbidos e sinais. As primícias do verão. Incansáveis. Vida acontecendo no acontecido. Mistura e bálsamo. Tocar no intocável. Alcançar o inalcançável. Diminuta passada. Pegadas de futuros passados. Sincronia de presentes futuros. São muitas as linhas. Os traços desequilibram-se. Esboços e rasuras. Ouça com os olhos. Veja com os ouvidos. O Ente voltou-se para o Elfo e falou com os poros. O Elfo surpreendeu-se ao falar com os suspiros. Reverenciando a simples forma de vida, escolheram caminhar no interior de si mesmo rumo a outras direções. A pequena flor já cumprira seu papel naquele tempo ensolarado. Antes de seguirem o caminho - única regra que lhes fazia bem, o Elfo pronunciou-se: a Esperança é como esta pequena flor, gigante adormecido no coração dos homens. Para despertá-la exige-se um segundo, uma fração de tempo dedicado a contemplar o que se é e se pode ser em sendo. E o porvir é como esse campo – imenso território, tal como imenso é o coração humano, capaz de sustentar a flor e tudo o mais que ela representar. Tocando-a com seu espírito, o Ente levantou-se, segurou o amigo Elfo e comentou: quem sabe os humanos ainda consigam, em tempo, deixar o orvalho lhes tocar com toda a vitalidade que ele enseja em seu orvalhar. Quem sabe, esses homens e mulheres consigam não apenas respirar o ar da sabedoria, mas também, se alimentar do húmus da compaixão. Quem sabe, aprendam a caminhar para dentro de si mesmos quando deixarem as singelas flores lhes falar da vida. Só enxerga a beleza de uma flor solitária aquele que deixou florir dentro de si o mais belo dos jardins: a humildade. Os dois seguiram. Continuaram a andança. Quem sabe, voltariam a ver com os ouvidos, ouvir com os olhos e falar com os poros e os suspiros em outras fendas temporais.

DbNog.  

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Amplo Olhar: além do campo 66


Está bem perto. Não é imperceptível, mas precisa ampliar o olhar para ver. Foi o que disse o Ente. O Elfo retrucou: Como se pode ver o que já se tornou habitual? Nem ampliando os sentidos conseguirão tal proeza. Insistiu o Ente: A vida não se mostra apenas no aparentemente visível. É preciso olhar os detalhes, as minúcias, as coisas simples. Ela se tece na constância das pequenas coisas, nos pequenos gestos. Ela se recria no infinitesimal, na singularidade das ações. É parte e totalidade. Partícula e força. Saindo quase que em silêncio, o Elfo sussurrou: Nessa profundidade complexa da existência, o invisível precisa tornar-se visível. O habitual pode ser reflexo da ausência de resiliência e o aparentemente visto, pode ser resultado da escuridão na qual estão mergulhados muitos dos humanos já distanciados de si mesmos. Acrescentou o Ente: é preciso grau acentuado de ousada coragem para tamanho desafio. Este olhar para dentro, tecendo-se com o olhar para fora, pode, em tempo, ajudar o homem a enxergar em que parte do novelo se encontra a parte do fio que ele é componente. E, ao olhar para essa tão frágil e tão forte parte, perguntar-se sobre como continuará sendo fio, novelo e tecido nessa casa-comum. 

DbNog

sábado, 7 de julho de 2012

Referendado


Sacrifício referendado. Cela escura. Prisão gélida. Abismo inexpressivo. Vida esguia. Não há apelo. Não há calor. Falésia condensada. Atmosfera deprimente. Para onde correr? Como sair dos fulcros que se formam? Como superar as epidemias que se agrupam? O ócio virou vicio. Escravizado espírito que grita inaudível som. Danosa maquinaria. Arde a face queimada na cortante ventania. Espasmos melancólicos e delirantes transitam em preto e branco. Fúria e inoperância guerreiam. Estado deplorável do viver. Pensa os teus medos. Encerra os teus dias. Conta os teus sussurros. Desvia as tuas sangrentas ideias. Mármore inóspito. Na quadratura disfarçada com linhas torpes, jazem o carcereiro e o anfitrião. Nem Sol, nem Lua, nem Luz. Passadiço fétido cujo produto é a esquizofrenia. Ilha arquitetada na tortura. Tolices que se despem diante de olhos mecânicos. Gravidade do volátil tempo e da efêmera vida. Sobra das sobras. Resto insuportável. Já foi o brilho. Já passou a euforia. Espera doentia. Invisíveis não se disfarçam. Esconderijos não-eternos. Covil. Ante-sala orgástica. Lamentos no vácuo. Lágrima petrificada. Voz anulada em si mesma. Engrandece tuas transmutações. Vê de longe. Escada inferior. Montanha enfurecida. Nobre poder. Saúda tuas singulares fortificações. Espírito livre. Fogo ardente. Átomo insuperável. Risca as paredes. Pinta os pilares. Rasga a tinta pueril. Escreve na grade. Rompe de dentro os teus ideais. Presídio externo. Fortifica tuas vísceras. Enaltece as tuas aptidões. Experimenta o remoio. Risca o chão. Desestabiliza as ordens. Corporifica. Desautoriza.  

DbNog. 

terça-feira, 26 de junho de 2012

Entretortura



Aplausos soam como orgias mentais. Falsamente manifestam seu estado deplorável de falibilidade e malevolência. Auto-engano. Jurisprudência de causa insana. Corvos e lobos sorrateiramente se manifestam. Fuligem venenosa se espalha na atmosfera mortal. Hierarquia no templo da mediocridade. Famigerado e demagogo discurso. Delírio de múmias putrefatas. Jogo de insolentes. Casa de moribundos. Olhos de abutres ansiosos pela carniça. Palavras distorcidas. Engodo e farsa. Jeito trágico para esconder rostos. Faces que não se mostram. Som arrepiante. Seguem maquiavélicos despindo-se das farpas. Espinhos são beijos. Trocas desmedidas. Alguns gritam ensandecidos. Soberbos de si mesmos. Outros se calam. Vermes desnecessários. Malfadada e hipócrita escolha. Suspeita de atroz cilada. Seguem a dança dos oficiais. Exaltam-se os burocratas. Vergonha e acidez compõem o mesmo caldo. Estranho condimento. O ninho das larvas. Corrosivo destino. Colunas de areia. Château Vent. Passadiço de tempo perdido. Túneis abrasivos. Corpos dilacerados. Mentes prostituídas. Virulência e esquizofrenia. Estado depreciativo. Segue-se a falação. Viva o Cavalo de Tróia! Salve a Empalada! São outros os instrumentos. São novas as torturas. Sagazes e suaves às armadilhas. Maquinaria de tolos. Abrigo das malvadezas. Diminuta lâmina sanguinária. Astuta necessidade diplomática. Aplausos e mais aplausos! Eis a tua sina. Eis a tua planície. Rasteja em teu não-desejo. Violenta a tua mornidão. Derruba as tuas resistências. Os sombrios são avarentos. Os nobres são puros. Segue para a montanha. Desnuda-te! Despe o manto. Deixa emergir a alforria, guerreiro de si mesmo. Rompe os véus. Cria-se a entretortura. Criatura e criador.

DbNog.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

CAMPO ‘66’

                                                    Título da Tela: Um bosque em Outubro

 Reforçou o Ente - tente entender, você é uma das formas mais belas que a Natureza encontrou para definir a pulsão criativa com a qual ela age no mundo, dando origem aos mais frágeis e magníficos seres. Isso eu entendo, disse o Elfo. E completou: o que eu não entendo é porque os humanos não conseguem enxergar o valor dessa tão complexa obra e continuam produzindo, de modo acelerado, formas de negação e depreciação dos seus semelhantes e dos seus diferentes – tão fortes e tão frágeis, belos e criativos como tudo que há na imensidão do Cosmos e desse pequeno Planeta, nossa casa comum.  Aliás, os humanos, será que conseguem, na complexidade do seu viver, entender o seu não entendimento? Perguntou o Elfo. O Ente não ousou responder tal pergunta em estado efusivo e voltou-se para si. Ficou naquele pêndulo arbóreo pensando sobre seus pensamentos e suas preocupações com os perigos e a situação da vida no campo ‘66’, onde vivem os transeuntes, as sobras oriundas dos desertos continentais.


Em tempos de Rio+20!

DbNog.  


Fonte da Figura: http://www.toucanart.com/pt/products/9960/ 

quarta-feira, 13 de junho de 2012

O ANDARILHO, A GAIVOTA E A FOLHA SECA


Foto: Cenas Urbanas. 

Com o dedo em riste, o andarilho seguia seu rumo e falava coisas que os de dentro não poderiam ouvir, nem os de fora por que para elas, eram tão-somente coisas de andarilho. Ele gesticulava e apontava muitas vezes para frente e para o alto. Seu dedo indicador era o sinalizador de que fazia referencia a alguma coisa que fervia em sua cabeça e colocava seus pensamentos e cordas vocais em movimento. Mas qual importância? Qual valor? Para os de dentro e os de fora, um mendigo é só um mendigo. Alguém que, por desilusão ou algum acaso da vida, vive a mendicância e vaga pelas ruas da cidade como alguém fora dos padrões e da normalidade dos de dentro e dos de fora na sociedade. Mas o mendigo, de dentro ou de fora? Qual seu lugar social? Sobra humana? Indigência? Parasita social? Ou humano descaracterizado de sua humanidade? Não importa não é? Mendigos sempre caminharam por muitas ruas ao longo da história em todo o mundo; mendigos continuam a caminhar pelas ruas todos os dias e cruzam nas esquinas e nas longas avenidas com as gentes de dentro e de fora. E ele, a qual genteidade pertence? Qual das gentes faz parte da sua gente? Não importa não é? Importa sim. Seu dedo em riste e sua fala incessante tratavam de algo ou alguma coisa que lhe fazia refletir, fazia pensar, produzia um discurso que circulava sem eco, mas circulava. Uma critica social? Uma denúncia? Um anúncio? Uma reflexão filosófica sobre o ato de seguir como caminhante? Não se sabe. Quem estava dentro, não podia ouvir; quem estava fora, ouvia sem entender quando o passante, simplesmente passava. Passava e falava. Ele provocava e desinstalava quem, de dentro, profundo mergulhava e quem, de fora, distante apenas olhava. O andarilho levava consigo uma mensagem e por isso a comunicava com seu corpo, seu estado, sua voz, seu som inaudível, sua condição escolhida ou produzida. O andarilho foi um dos personagens reais desse cotidiano que nos provoca pelo o que ele é enquanto está sendo, não pelo o que ele foi depois de ter sido. O andarilho não ficou de fora, nem se colocou por dentro. Ele estava lá, andando e sendo o que precisava ser para quem, naquele instante de passar por ele, precisasse também, ser e ouvir o próprio ser.


Num outro ponto, outro acontecimento. Outro pensar repentino sobre a gaivota. La estava ela silenciosa e imóvel olhando para o mar. Quem de dentro olhava, via apenas um corpo leve de penas escuras e outras brancas que não saia do lugar. Olhava para as ondas? Tinha medo do mar revolto? O vento a impedia de voar? Estava fraca, desnutrida? Não tinha condições de alçar voo? O que lhe acontecia? Sem bando e sozinha, via outros pássaros que passavam e alguns andantes humanos que circulavam distantes de onde ela se encontrava. O que acontecia com aquele pássaro? Por que não estava nas alturas? Por que não procurava por peixes nas marolas? A praia extensa a fazia menor do que parecia ser. Não vivia um conflito, nem um problema social urbano, vivia o que seu estado de pássaro e de gaivota a permitia viver, naquele momento. Talvez uma parada necessária. Talvez um descanso para as asas. Talvez e talvez... A gaivota estava do lado de fora de quem estava do lado de dentro. E de fora ela se colocava por dentro de quem de dentro olhara lá fora. Ela não falava, nem fazia gestos, nem sequer se movia. Mas não precisava falar. Aquela gaivota falava de algum modo. Quem precisasse e quem quisesse a ouviria. O ato – ficar inerte, parado, sem movimento falava para quem de dentro ou de fora também, por alguma situação estivesse inerte no tempo e no espaço. Vida paralisada. Ganhar as alturas ou ficar no chão? Ela, sendo gaivota poderia ganhar as alturas e, na necessidade de seu estado instintivo, ficar no chão. E os de dentro? Os de fora? Onde estavam e onde ficavam?

Foto: Edson dos Santos.

Pequenos e simples acontecimentos do cotidiano que nem sempre são notados. Às vezes percebidos por gentes de dentro que de fora se colocam para, novamente, dentro estar. Exercício difícil de fazer. Movimento difícil de viver. Necessidade de afastar-se para fora quando se insiste em ficar dentro. E,em se colocando por fora, numa repentina saída de dentro,às vezes se pode até olhar de forma diferente para uma folha seca -o terceiro personagem desse triângulo fenomênico apresentado pelo cotidiano para quem, de dentro e de fora, olha para dentro e para fora. Ela caiu sem esperar e ficou num lugar que a permitiu ser levada para outro lugar, outro espaço, outra atmosfera. Distanciou-se de sua origem para cumprir alguma meta dada por alguém de dentro ou de fora, pois folhas não têm metas pessoais. Tao seca que parecia sem vida, mas sem vida não estava. Ainda havia em si um pouco de clorofila e, em suas ramagens, no tecido ressequido, um pouco de musgo. A folha findou sua vida? Deixou de ser folha? Passou a ser outra coisa? Não. Continuou folha sob o ponto de vista de quem já de fora a observava. Voou folha até chegar aonde chegou. Só deixará de ser folha depois que toda a sequidão e os agentes físicos a transformarem em outra coisa que não seja a folha. Energia. O andarilho, a gaivota e a folha – energias em estados diferenciados do viver. Processos de vida em estados diferenciados no acontecer cotidiano. Forças em movimento. Um pouco da folha, do andarilho e da gaivota sempre estão em quem, de fora ou de dentro olham para um andarilho, uma gaivota e uma folha. Quem de dentro se coloca de fora vive um pouco do andarilho, da gaivota e da folha; quem de fora se volta para dentro, se refaz com o andarilho, a gaivota e a folha. Não é nem uma coisa, nem outra. É o que esses acontecimentos fenomênicos permitiram, naquele momento perceptivo, de dentro e de fora, ser.

DbNog. 

terça-feira, 12 de junho de 2012

INVÓLUCRO




Invólucro indesejado. Ataduras que não cedem. Produção do não-desejo. Espasmos melancólicos. Negligencia surreal, anestésica, brutal. Campo minado da pulsão interna. Obscuro templo do medo. Calafrios disseminadores do terror. Insano retorno. Depositário de putrefato odor. Suspiro insistente. Arrependimento tardio. Para onde vai esse mar que não é meu? Para onde corre esse rio que não quero navegar? Mumificação improvisada. Negação da negação. Frivolidade. Infertilidade do tempo mortificante. Amarras construtoras de límpidos jazigos. Inabitados espaços. Porões da vida comensal. Estado deformável. Esqueces o que foi e negas o que és. Enterras o que podes ser. Envolvidos nesses laços tirânicos. Bípedes que seguem desolados. Vida que se desintegra. A negação carregada de pura ética. Volta pássaro que se perdeu. Tua árvore é outra, teu céu espera-te. O tirânico tentáculo é mente persuadida. Tirania que mutila corpos desrespeitados, desvalidos de seus Ethos. Grito ensurdecedor. Esse tecido pegajoso que não cede; essas amarras que me prendem. Boca de fauna carnívora. Veneno de réptil desconhecido. Mais um tempo, uma espera. Involuntário retorno. Trágica investida. Produção do deserto humano. Estado de penúria. Vagas de um lado para outro. Não sabes aonde queres estar? Teu desejo é não desejar. Escolhe a catacumba. Pinta o penhasco mais alto. Desmascara a inocência perdida, o semblante escondido. Não achas mais o que já ficou nas fendas do passado. Um prenúncio. A reinvenção é negativação do puro. Faz tuas podas. Retira as laminas dessa navalha. Fios que te envolveram. Faz o corte necessário. Não te intimidas. Alinhava o espírito puro. Deixa fluir a cor púrpura. 

DbNog. 

quinta-feira, 7 de junho de 2012

DEVANEIOS DE OUTRORA



Então... Eu disse que tudo poderia ser e se não fosse... Ah! Se não fosse, faríamos ser... Não entendi. Não consegui mergulhar nas sombras do teu pensamento, não pude me aproximar das divagações do teu inconsciente. Sim aquelas divagações que entorpeceram a tua mais insana consciência em estado inexprimível. Foi tudo e nada. O que ficou? O que poderia ter-se revelado não se revelou. O que poderia tornar-se realidade, realidade já era. Mas o que estava sendo era irreal. Você não me entendeu. Nem eu quis entender. Para que entender?! Medos tolos. Vida afoita. Você sabia dos mistérios. Eu sabia das místicas. Não poderíamos estar num universo paralelo. Estávamos no tempo incomum do que nos acontecia. Risadas dos teus estranhos desejos. Caras estupefatas dos meus distantes e próximos sonhos que nos estremeciam. Os elos das tuas dúvidas se entreteciam nas redes das minhas incertezas. Nada contendo tudo e tudo contendo nada. O caos. Nossas energias deram configuração aquela silhueta não alcançada. Eu sei que era teu querer o meu não-querer. Entorpecidos. Calor dos nossos quereres que se misturavam como se misturam céu e mel, cor e flor, tinta e tecido... Eu já não sabia, nem tu poderias saber. Era àquela hora? Foi aquele dia. Nossos tempos. E tudo passou... A travessia é sempre preciso. O rompimento nos afeta e nos constitui. Estamos em ser fazendo-se saber que somos a metáfora incompreendida de nós mesmos. Aquele abismo não nos pertencia, nem a longínqua espera. Éramos. Não. Somos! Esse barco e esse rio que se completam e se interconectam para além de nós mesmos. O suspenso não precisa do pêndulo. A coluna precisa do suspendido. E eu não te diria outras coisas se tu não tivesses me dito as tuas coisas. Nos dizemos e nos fazemos. Vamos remar. Logo chega o outro tempo de sermos novamente e novamente...

E o pensador, livre voltou. Minha homenagem a ele. Somos!

DbNog.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Dia das Mulheres. Quais?

Foto: Sebastião Salgado

VIAGEM INTERROMPIDA
Marcas do Tempo
          
Dessa vez a memória não foi para algum lugar do passado nem o passado retornou de algum esconderijo da memória. Assistia ao presente acontecendo. Um tempo carregado de agoras que se desdobravam em falas e tentativas de acerto. Não havia lembranças ou gestos afetivos sendo trocados. O que se ouvia eram o choro e a voz de uma mulher desesperada porque não poderia seguir viagem com seus filhos. Um rapaz de aproximadamente quatorze anos e três meninas com idades entre quinze e quatro anos.
            Toda a bagagem já estava no compartimento de malas – caixas, colchões, sacos com roupas, bolsas e outras coisas haviam sido guardados para que pudessem viajar. Ao acordar com o falatório do lado de fora, o carregador de pedras percebeu que haviam parado em outra cidade. Estava num sono profundo e não se deu conta do tempo que havia passado. O que presenciava era o rosto sofrido de uma mulher tentando seguir viagem com seus filhos.
            A menina, quinze ou dezesseis anos, chorava segurando no colo outra criança de uns dois anos. Tudo indicava estarem buscando sair daquela cidade para tentar a vida em outro lugar. A quantidade de bagagens denunciava essa situação. A mulher aparentava mais que cinquenta anos, talvez fosse mais jovem, mas seu rosto trazia marcas de muitas lutas, batalhas pela vida, por si mesma e pelos filhos.
            O que impeliria essa mulher franzina, naquela hora da noite, a embarcar para outro lugar com os filhos? Será que fugia de brigas e de situações humilhantes vivenciadas em sua casa? Será que tinha uma casa? Estava tentando escapar de ameaças, evitando ser maltratada, judiada?
            Da janela viu que, aos poucos, o ajudante do motorista começava a tirar de dentro do compartimento de bagagens todos os pertences daquela família. Tudo devolvido. A mulher empenhava-se numa comunicação telefônica, mas parecia nada conseguir. O motorista falava e ela fazia sinais de compreender. Quando viu toda sua bagagem no chão, caiu em prantos. O menino passava as mãos na cabeça da mãe e a menina abraçava-a, segurando as demais crianças. Uma cena dolorida.
            Diante do que acontecia, pensou – Quantas mulheres vivem situações desumanas, humilhadas, desrespeitadas, sujeitadas ao silêncio, à violência, ao medo, ao desprezo, ao abandono e tendo que dar conta, por si mesmas, de criar filhos que não são somente seus. Muitas delas em lugares e ambientes que não fazem parte de seus sonhos, de suas escolhas. Outras vivem exploradas e obrigadas a agirem como cobaias e objetos de usos e abusos. Por mais que se tenha avançado nas leis e muitas mulheres tenham conseguido mais espaço e posições de respeito na sociedade, outras ainda vivem em condições subumanas, tendo que enfrentar maridos alcoólatras, patrões desajustados, realidades humilhantes que negam todo o sentido de ser mulher, de ser pessoa, de ser sujeito da própria história.
            A mulher sentou-se sobre as coisas, curvada diante dos filhos e ficou ali enquanto o ônibus seguia em frente. A viagem havia sido interrompida. Aquela figura feminina mostrava cansaço, fadiga, marcas de um tempo pesado em seu viver. A saída daquela cidade talvez representasse o desejo de vida nova, na tentativa de não desistir dos seus sonhos. Por falta de documento de uma criança ela não pôde seguir... Restava-lhe ficar ali para ressurgir do intempestivo fracasso. Tentar era preciso, outra vez...quantas?!
            Pensativo, balbuciou o carregador de pedras – As mulheres contemporâneas vivem outras lutas, demarcam outros territórios, criam outros modos de enfrentamento das crises e dos crimes que contra elas possam ser cometidos, mas isso não é regra. Essa mulher reflete as sequelas de um tempo que ainda não superado, representa o estado de muitas outras mulheres, talvez maioria, que ainda não conseguiram sair do calabouço de um machismo culturalmente desreferenciado...
            ...O equilíbrio ainda não foi alcançado e isso não é apenas questão de justiça ou de igualdade. Pode-se tolerar e superar uma viagem interrompida, mas não se pode aceitar a negação do direito de viver dignamente. O direito de ser mãe como uma mulher deseja e sonha ser. Quando se tira a dignidade de alguém, tira-se-lhe  a alma.
A viagem seguia naquela noite estrelada. Sem conseguir retomar o sono, o carregador de pedras olhava o céu e a lua parecia segui-los mostrando as direções. Ainda pensativo, afirmou para si mesmo – O tempo deixa marcas que não se pode apagar

Do Livro: Carregador de Pedras,
 NOGUEIRA,Valdir.  2012 pp. 122-124.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Intempestivo



Quem é o que É,
Quem é o que desejou Ser,
Quem é o que escolheu Ser,
Incomoda quem não re-descobriu seu Ser.
O mergulho em si pode ser um magnífico desafio,
Uma fantástica descoberta,
Confronto com o que há de mais profundo de si em si mesmo.
Cume invertido,
Espelho d'água. 

DbNog.