sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

FENDA DO TEMPO


Não se pode abrir uma fenda no tempo que passou. Ele avança. Segue as muitas direções tomadas pelas existências em seus diferentes agoras. Não se pode voltar. Não há retorno aos eventos desencadeados. O que se pode fazer é acessar, na memória, os tempos marcados. Ir aos tempos que ela guarda. Essa guardiã dos instantes de devassidão; dos momentos de caos, ordem, desordem e êxtase. Só há contato pelos fleches do lembrado. Terrível prisão. Querer voltar e não poder; querer reviver e não ser mais possível. Nenhum existir pode ser igual ao que foi. Nem mãos, nem olhos, nenhum dos sentidos podem fazer o tempo retroceder. Em vida, nada pode desacelerar esse ávido corredor. Como dominar esse leopardo que não cessa sua dinâmica? Um dado existir carregado de tempos e desejos guarda a ampulheta que mede experiências vividas. Não há como interferir no que ficou aprisionado nesse turbilhão. Força hercúlea que não se pode dominar. É inalcançável o que foi e o que passou. Nenhum esforço dará conta do regresso, nenhum ourives pode pagar por tal façanha. A existência, em cada fração desse hábil viajante, exige demora. Exige ficar despossuído de si mesmo para tomar posse do jogo. Ansiedade e euforia, energia sendo gerada nas muitas redes temporais tecidas, se fazendo vida. Volta-se ao lócus originário. Não se volta ao tempo original. De cada evento existencial, esse peralta alquímico é único, é singular, é produtor dos sentidos do sentido da vida. Alma, espírito e mente querem o que já não é mais alcançado. Há uma possibilidade. O tempo coexistindo. O agora é crucial. É a mais linda tela a ser criada. A fenda a ser aberta no tempo que se faz co-autor. Co-participe do instante produtor de demoras desejadas. O tempo do hoje carregado de agoras é o que se tem; é a possibilidade do eterno. Essa flecha segue a direção tomada pelo que existe, é e está; pelo que se mostra. Esse existir é tempo infinito enquanto existência finita. A impossibilidade da volta determina a multiplicidade da possibilidade do instante. Nada pode ser desperdiçado. Tudo merece ser pigmento da tela que vai sendo preenchida com o colorido que o momento define. Merece ser perene. A existência que assume seu existir, em sendo, pode ser mais. Ser mais tempo, mais abertura para si no encontro com o outro. As tintas se misturam. A fenda é multifocal. O tempo é fazeção embrionária. Eclosão de eventos. Espelho vital. 

NOGUEIRA, Valdir.  

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