Foi
apenas um instante. Uma fração de segundos. E tudo que se pode contemplar
ampliou as formas de olhar para a vida e para o mundo. Tudo muito simples. Tudo
muito imenso. Minucias. Detalhes. Visão focada. Impossível capturar todos os sentidos.
O mundo tornava-se outro. A vida refazia-se. Atenção à janela espiralada. Multifocal.
O mergulho parecia insuficiente. Lançar-se era a aposta. Estar naquela efervescência,
naquele caldeirão místico e único. Atingir o além do além. Esforço redobrado. Mente
e espirito entretecidos. Lampejos e profusão de significados. Espelhos e
reflexos nas superfícies do não-superficial. Parar no tempo do tempo que se é. De
dentro, olhá-lo. De fora, senti-lo. Sublime nota musical. Nesse momento o Ente parou e ficou extasiado. Já não
podia continuar seu discurso. Estava encharcado de tanta beleza. Foi a vez do Elfo se pronunciar. Qual paleta de cores
poderia dar conta de tamanha riqueza? Quais perfumes poderiam assumir os
tempos-espaços de tão sutil presença? Que sabores poderiam se destacar nesta inconfundível
sensibilidade? O rio junta-se ao mar. O céu sustenta estrelas e sois. Os ventos
sopram incansáveis. As águas escorrem para cantos diversos. Os colibris visitam
formosas floreiras nas mais amáveis primaveras. Sem indiferença. Demasiadamente
presente. Constante. Inusitada forma simbólica. Há na calmaria uma espera e na
espera um movimento. Zumbidos e sinais. As primícias do verão. Incansáveis. Vida
acontecendo no acontecido. Mistura e bálsamo. Tocar no intocável. Alcançar o inalcançável.
Diminuta passada. Pegadas de futuros passados. Sincronia de presentes futuros. São
muitas as linhas. Os traços desequilibram-se. Esboços e rasuras. Ouça com os
olhos. Veja com os ouvidos. O Ente
voltou-se para o Elfo e falou com os
poros. O Elfo surpreendeu-se ao falar
com os suspiros. Reverenciando a simples forma de vida, escolheram caminhar no
interior de si mesmo rumo a outras direções. A pequena flor já cumprira seu
papel naquele tempo ensolarado. Antes de seguirem o caminho - única regra que
lhes fazia bem, o Elfo pronunciou-se:
a Esperança é como esta pequena flor, gigante adormecido no coração dos homens.
Para despertá-la exige-se um segundo, uma fração de tempo dedicado a contemplar
o que se é e se pode ser em sendo. E o porvir é como esse campo – imenso território,
tal como imenso é o coração humano, capaz de sustentar a flor e tudo o mais que
ela representar. Tocando-a com seu espírito, o Ente levantou-se, segurou o amigo Elfo e comentou: quem sabe os humanos ainda consigam, em tempo, deixar
o orvalho lhes tocar com toda a vitalidade que ele enseja em seu orvalhar. Quem
sabe, esses homens e mulheres consigam não apenas respirar o ar da sabedoria,
mas também, se alimentar do húmus da compaixão. Quem sabe, aprendam a caminhar
para dentro de si mesmos quando deixarem as singelas flores lhes falar da vida.
Só enxerga a beleza de uma flor solitária aquele que deixou florir dentro de si
o mais belo dos jardins: a humildade. Os dois seguiram. Continuaram a andança. Quem
sabe, voltariam a ver com os ouvidos, ouvir com os olhos e falar com os poros e
os suspiros em outras fendas temporais.
DbNog.