domingo, 9 de setembro de 2012

Andança e Humildade




Foi apenas um instante. Uma fração de segundos. E tudo que se pode contemplar ampliou as formas de olhar para a vida e para o mundo. Tudo muito simples. Tudo muito imenso. Minucias. Detalhes. Visão focada. Impossível capturar todos os sentidos. O mundo tornava-se outro. A vida refazia-se. Atenção à janela espiralada. Multifocal. O mergulho parecia insuficiente. Lançar-se era a aposta. Estar naquela efervescência, naquele caldeirão místico e único. Atingir o além do além. Esforço redobrado. Mente e espirito entretecidos. Lampejos e profusão de significados. Espelhos e reflexos nas superfícies do não-superficial. Parar no tempo do tempo que se é. De dentro, olhá-lo. De fora, senti-lo. Sublime nota musical. Nesse momento o Ente parou e ficou extasiado. Já não podia continuar seu discurso. Estava encharcado de tanta beleza. Foi a vez do Elfo se pronunciar. Qual paleta de cores poderia dar conta de tamanha riqueza? Quais perfumes poderiam assumir os tempos-espaços de tão sutil presença? Que sabores poderiam se destacar nesta inconfundível sensibilidade? O rio junta-se ao mar. O céu sustenta estrelas e sois. Os ventos sopram incansáveis. As águas escorrem para cantos diversos. Os colibris visitam formosas floreiras nas mais amáveis primaveras. Sem indiferença. Demasiadamente presente. Constante. Inusitada forma simbólica. Há na calmaria uma espera e na espera um movimento. Zumbidos e sinais. As primícias do verão. Incansáveis. Vida acontecendo no acontecido. Mistura e bálsamo. Tocar no intocável. Alcançar o inalcançável. Diminuta passada. Pegadas de futuros passados. Sincronia de presentes futuros. São muitas as linhas. Os traços desequilibram-se. Esboços e rasuras. Ouça com os olhos. Veja com os ouvidos. O Ente voltou-se para o Elfo e falou com os poros. O Elfo surpreendeu-se ao falar com os suspiros. Reverenciando a simples forma de vida, escolheram caminhar no interior de si mesmo rumo a outras direções. A pequena flor já cumprira seu papel naquele tempo ensolarado. Antes de seguirem o caminho - única regra que lhes fazia bem, o Elfo pronunciou-se: a Esperança é como esta pequena flor, gigante adormecido no coração dos homens. Para despertá-la exige-se um segundo, uma fração de tempo dedicado a contemplar o que se é e se pode ser em sendo. E o porvir é como esse campo – imenso território, tal como imenso é o coração humano, capaz de sustentar a flor e tudo o mais que ela representar. Tocando-a com seu espírito, o Ente levantou-se, segurou o amigo Elfo e comentou: quem sabe os humanos ainda consigam, em tempo, deixar o orvalho lhes tocar com toda a vitalidade que ele enseja em seu orvalhar. Quem sabe, esses homens e mulheres consigam não apenas respirar o ar da sabedoria, mas também, se alimentar do húmus da compaixão. Quem sabe, aprendam a caminhar para dentro de si mesmos quando deixarem as singelas flores lhes falar da vida. Só enxerga a beleza de uma flor solitária aquele que deixou florir dentro de si o mais belo dos jardins: a humildade. Os dois seguiram. Continuaram a andança. Quem sabe, voltariam a ver com os ouvidos, ouvir com os olhos e falar com os poros e os suspiros em outras fendas temporais.

DbNog.