sábado, 12 de fevereiro de 2011

Tramas

Costureiras - Tarsila do Amaral 

E quando não há o que dizer, quando não há palavras, quando não há verbos? Quando tudo parece ter sido sugado, suprimido, o quê fazer? Caminhar? Seguir? Enfrentar? Não há como voltar. Assim ficamos quando acontecimentos inesperados nos surpreendem. Quando eventos nos tiram, de súbito, a força que nos mantinha e nos alimentava lançando-nos para além de nós mesmos. Parece que o que estava perto foi para longe e o que estava longe, mais longe ficou. Andar de um lado para o outro. Parar. Mãos sobre o rosto, semblante entorpecido. Os olhos fitam o longínquo. As mãos se tocam sem parar. O corpo parece não obedecer. Tudo fica caótico. A linha de Ariadne não pode ajudar a encontrar o caminho. O mais meticuloso método não pode fazer parar o que se instalou na existência desfigurada. Calmaria. Desespero. Angústia. Um grito se desprende do profundo ser; um pedido ecoa da alma. Vida. É preciso vida e nada mais. A vida há muito roubada, surrupiada de diferentes formas. Vida que se fora com outros. Renascer muitas vezes. Fazer-se inteiro em muitos tempos e espaços. Tramar os nós sem desfazer os elos que religam partes e totalidades. É a espera esperançada. Esse tempo do não-dito, do não-verbalizado. O fugidio, o que escapou. O que não ficou não era e não podia ser. Transformação em curso. Vida efervescente. Dispositivos necessários. Reconectam-se elos. Natureza em movimento espiralado. Eventos são perguntas insaciáveis. Acontecimentos são dúvidas momentâneas. Desinstala-se o processo da escolha. Ficar. Sair. Mover. O que produzem os verbos quando não verbalizados? Corpo, mente e alma lutam. Eles coexistem no existir de mim e do outro. O ocorrido, o provocado tem muitas faces. Os rostos não se desvelam. É preciso aprender a dizer não. Não estou, não posso, não quero, não vou, não tenho, não gosto, não preciso. Não, não e não. O espírito elevado aprende a dizer não e sim. O espírito servil aprende a dizer apenas sim. Sim e não são escolhas. Na negatividade do não há uma força propulsora. O não é impeditivo e ao mesmo tempo desencadeador de re-ações. Sim e não são eventos duradouros. Deixam marcas. Sim e não precisam ser ditos para os muitos Eus que habitam em um dado existir. Lacuna. Tortura. Estupidez. Acontecimentos são transitórios. Eventos são prolongados. O primeiro exige audácia, o segundo exige rigor. Não se passa pelo existir, habita-se. O corpo é a morada dos Eus. A mente, uma espaçosa sala dialogal. “Cavalga a ti mesmo” - diria um dos eus para outro eu. “Alcança teu interior projetando-o para fora. Lança-o para o horizonte das experiências cotidianas. Cava igual ao mineiro, as tuas cavernas sombrias e faz emergir o mais puro brilhante que há em teus rochedos”. Exercitar a força vital. Fazê-la intensa em cada tempo e lugar. Cantar, dançar, correr, divagar. O quê impende? Quem? Só os Eus habitantes de mim; só eles podem comigo e só Eu posso com eles. Os eventos nos projetam. Os acontecimentos nos paralisam. Nos eventos, um emaranhado vai se tecendo como se faz o tecer das aranhas. A rede é projeção. Nos acontecimentos, nódulos frívolos vão se sedimentando como se sedimentam as calçadas. O sedimento é passarela. Lápide não desejada. Tocar-se, sentir-se, envolver-se. Demorar-se na contemplação da vida em vida sendo vivida. Respirar, beber, cheirar, amar. Eventos a serem experienciados. O que vier serão fatos. Acontecimentos e eventos nos esgotam e nos evocam. Somos existências evocadas. Vivem-se eventos e tramas.

NOGUEIRA, Valdir. 

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