terça-feira, 8 de março de 2011

DOS ELOS PATERNOS

A mão de minha mãe e a minha mão - mostrando-me de onde e como se faziam os fios que teciam as redes de pesca dos meus avós. 

Quero iniciar esta escrita, direcionando-a a todos nós que nos aventuramos por novos caminhos, outros horizontes com um pensamento de Paulo Freire que considero muito significativo. Esse educador brasileiro, carregado de esperança e sonhos, assim se expressou em uma de suas obras: “Sonho não é coisa de maluco. Sonho é coisa de quem vive e de quem existe – existir é mais do que viver – e sonhar é uma necessidade humana. Sonhar com um projeto de vida”. Nesse dizer-sonho de Paulo Freire, quero dizer coisas de todos nós, das alegrias, dos encontros, das histórias, das conquistas, da esperança e da vida que carregamos.
Nossos pais sabem que somos especiais; que há muita vida e sonho em nosso existir. Sabem do valor que representamos pela singularidade de nosso viver, pela possibilidade que existe e persiste em cada um de nós. Para eles, existimos. Sabem que esse existir como bem nos afirma Freire, é mais do que viver. É marcar, é tornar-se presentificado em todos os momentos, em todos os instantes, em todos os cantos, espaços e lugares por onde circulamos, onde aprontamos as nossas algazarras, onde se ouviram os nossos choros e gargalhadas; onde sentiram os nossos abraços; perceberam os nossos olhares, entenderam os nossos pedidos de ajuda; ouviram as nossas falas, vozes, saberes – tudo isso se fez e faz existência. Portanto, coexistimos. Estamos juntos e permanecemos juntos, mesmo estando distantes, mesmo estando em outros lugares. Quem é pai-mãe sabe que esses lugares do existir-com nos conectam, nos aproximam pelo sonhar, pelo pensar e pelo agir.
O tempo do existir é sempre agora, é sempre hoje. É sonho carregado de projetos de vida. Nossos pais sabem quando começamos a dar os indícios ao “por quê?” e ao “para quê?” chegamos nesse mundo. Com eles, ensinamos e aprendemos. Aprendemos que agradecer é importante, que amar é sublime, que sorrir é vital, que apoiar, cooperar, respeitar e ajudar é fundamental nessa forma de vivermos nossa humanidade.
Na coexistência, podemos fazer da vida uma nova possibilidade. Torná-la esperançada como a fez Madre Tereza de Calcutá. Transformá-la. Ampliamos o horizonte do viver, descortinando a imensidão enxergada por Luther King que bravamente disse para si e para tantos outros “I have a dream”. Dizer do sonho e torná-lo concreto é ver o quanto a vida é imensa, o quanto ela pode ser mais e melhor. Ser mais digna e melhor vivida, ser mais instigante e melhor compreendida. Ser simplesmente, mais!
Ao buscar esse ser mais, podemos nos questionar: será que a vida é um lugar? É uma flor? Podemos e devemos continuar questionando para que novas perguntas continuem aparecendo e nos levando para frente, sem ter que nos calarmos com as respostas. Sem termos que silenciar nossas aptidões, nossas habilidades, nossas angústias, nosso ser e existir no mundo. Mundo em que a vida não pode ser concebida como mercadoria, produto, e objeto. Uma verdade incontestável. A vida não se vende, não se compra, se vive. Se vive de forma simples, coerente, prudente. Se vive na partilha, na ajuda, no encontro com o outro que também é vida.  A vida pode ser imensa, pode ser sonho, pode ser esperança, pode ser possível em cada lugar-mundo, em cada espaço onde houver existência e onde as pessoas sonham com o existir-possível.
Possível como as curvas que encontramos ao longo do caminhar e que nos fazem mudar de direção, nos fazem ver pela lente do passado que somos todos responsáveis nessa construção do modo de vivermos como humanos. Elas têm o brilho do nosso modo de ser. São tão importantes quanto os meandros de um rio que conectam um percurso ao outro de modo que uma margem pode ver a outra, uma realidade pode se deparar com a outra. Nossos pais nos fazem ver curvas, ver lados, ver margens, ver o que muitas vezes não víamos. Ver que a vida é ter coração igual ao de Gandhi!
Quantas vezes o coração bateu forte com nossas conquistas? Quantas vezes nos emocionamos com um simples obrigado pela vida; quantas vezes sentimos que já não éramos apenas filhos, mas pessoas singulares, com identidades próprias, únicas convivendo e trocando experiências com o mundo? Todos continuam em nós, mesmo indo a outras direções e essa é uma linda dinâmica da existência. É sua contradição, seu devir, sua possibilidade.
Essa possibilidade que depende de quando e aonde formos, onde estivermos e como lá estivermos. O onde depende do que fomos e do que desejarmos ser; o como depende dos sonhos que alimentamos e da esperança que trazemos; o quando depende sim, do agora, do hoje, de um lançar-se para frente, do ser projeto! Pois o hoje, o agora não marca o fim de laços que se firmaram na convivência, eles se ampliam e se elevam para outras dimensões, para outros horizontes. Só temos o hoje em nossas mãos. O ontem já foi e o amanhã ainda não chegou.
O hoje com todo o seu potencial de conectar a complexidade da vida à complexidade dos diferentes modos de ser, de viver e olhar para o mundo. Um olhar especial, verdadeiro. Projeto que se traduz em alegria capaz de produzir SONHO e POSSIBILIDADE, pois isso não é coisa de maluco, é coisa de gente que pensa e que acredita; que tem esperança e que não desiste; que se mostra e que EXISTE!
Quero fazer uso das palavras de Pedro Demo, quando afirma que em uma convivência, em uma existência feliz, “Deixa saudade o momento particularmente intenso, a profundidade vivenciada na passagem, o encontro limitado de envolvência infinita”. Assim foi e é a história-vida de todos nós em nossa história-vida com aqueles que amamos - um momento intenso que deixa saudades pela infinita envolvência presentificada.

NOGUEIRA, Valdir
DbNog.

Pós-escrito

Os fortes ventos contrários que sopraram na experiência vivenciada com minha família, foram os que mais me impulsionaram a seguir minha trajetória. Em muitos momentos eles voltaram e agitaram o meu viver, mas não fizeram com que eu desistisse da vida. Pelo contrário, continuaram a ser força propulsora. A vida com os pais é sempre carregada de forças estranhas e muitas vezes, quase inexplicáveis. Vivem-se experiências únicas. A família sempre foi meu porto seguro, mas é sempre bom estar em mar aberto. Um dia desses, fiquei observando, por bom tempo, a respiração vital de minha mãe durante seu sono da tarde, no sofá da sala. Uma respiração difícil por seus problemas pulmonares, mas carregada de esforço-vida. Noutro, meu pai abraçou-me e me deu um beijo de alegria pelo reencontro. Beijo que supera marcas de um tempo já findado – momentos existenciais singulares que só quem os vive é capaz de compreendê-los.

Um comentário:

  1. Essa é uma das reflexões mais lindas que você, Valdir, escreveu neste blog. O Sonho é expressão de Luz, Esperança-Vida e, nesse sentido, é importante acreditar que a Força para realizar um Sonho Possível ou mesmo um Sonho Impossível, está dentro de nós! Para isso é preciso ter a Fé, que vê o impossível, acredita no inacreditável e recebe o impossível.

    ResponderExcluir